10 de fevereiro de 2017

Obras na ponte - "Under The Bridge" e a técnica funk de Frusciante


OBRAS NA PONTE - JONH FRUSCIANTE DEMONSTRA COMO TOCAR "UNDER THE BRIDGE" E SUA TÉCNICA PARA O FUNK DOS RED HOT CHILI PEPPERS NA GUITAR WORLD DE JULHO DE 2006.
Por Andy Aledort




Não há como negar a distinta personalidade musical e as sensibilidades místicas de John Frusciante do Red Hot Chili Peppers. Trabalhar ao lado de parceiros formidáveis como o baixista mestre do funk Flea, o baterista de luxo Chad Smith e o carismático frontman Anthony Kiedis, Frusciante serviu como a principal força criativa por trás de vários dos maiores sucessos da banda, como "Under the Bridge", "Give it Away" (ambos do Blood Sugar Sex Magik), "Scar Tissue" e "Californication" (ambos do Californication).

Nesta lição exclusiva, Frusciante demonstra como ele toca as complexas partes de guitarra em "Under The Bridge", e discute seu jeito de tocar guitarra rítmica ao estilo R&B, o estilo James Brown de funk, invenções com acorde/melodia e solos.





Seu domínio do estilo de guitarra rítmica de Jimi Hendrix/R&B [marcado por acordes "quebrados" com arpejos, pequenas vozes flexíveis em acordes, solos e figuras de uma nota] é claramente ilustrado em "Under The Bridge". Como você aprendeu a tocar nesse estilo?

"Eu amo esse estilo de guitarra rítmica, e eu sempre o associei a Jimi Hendrix. Eu aprendi a tocar desse jeito escutando canções do Hendrix como "Little Wing", que eu escutei pela primeira vez quando era criança.

Eu lembro de quando eu era muito novo e ir a um tipo de festa numa reserva indígena na Flórida, e eu vi uma banda indígena nativo americana tocando "Little Wing". Naquele ponto, eu já tinha pensado muito naquela canção e tinha decidido que ninguém conseguiria aprender a tocá-la. Estava na categoria de "impossível ser tocada!". Mas aquele guitarrista estava tocando-a, e eu não pude acreditar nos meus olhos. Me parecia que ele estava fazendo o impossível.




Me levou um bom tempo para conseguir tocar nesse estilo, porque existem tantos elementos acontecendo ao mesmo tempo: você tem acordes, mas algumas partes "soladas" acontecendo ao mesmo tempo por cima dos acordes. E você também tem as notas sobressalentes que soam naturalmente pelo fato do dedo estar geralmente encostando em algumas cordas ao mesmo tempo. Para o ouvido de alguém que está nos níveis iniciantes, isso soa como duas ou três guitarras. Por isso "Little Wing" me confundiu tanto: eu pensei, como isso pode ser só uma guitarra?

Eu descobri mais tarde que Hendrix tinha aprendido sobre esse estilo de guitarra rítmica escutando Curtis Mayfield. Curtis fez coisas bem inovadoras em seus discos solo e em seu trabalho com o The Impressions, que eu sei que influenciaram muito Hendrix."




Você pode nos mostrar como tocar a introdução para "Under The Bridge"?

"Claro. [FIGURA 1: Veja os compassos 1-8 na transcrição]. Enquanto eu alterno entre os acordes de ré e fá sustenido, eu mantenho todas as notas de cada acorde pressionadas o máximo possível para que elas soem juntas. E eu uso um dedilhado para que cada nota em particular soe bem claramente.

Quando eu gravei a canção para o álbum, eu usei overdub para gravar por cima duas notas altas que são sustentadas [veja Fill 1 na transcrição]. Quando eu toco a música ao vivo, eu incorporo a primeira nota alta, ré, na parte principal."




Eu percebi que quando você volta para o acorde de fá sustenido [compassos 4 e 8], você usa o polegar para pressionar a nota grave [sexta corda/segunda casa].

"Usar o polegar dessa maneira é muito importante para que essa parte soe como é, especificamente porque dá aos meus outros dedos bem mais liberdade para adicionar riffs diferentes e pequenas vozes dentro do acorde por cima da tônica. Na maioria das circunstâncias, é muito limitante para mim tocar acordes com pestana "convencionais" [com o dedo indicador pressionado por todas as cordas]. Para mim, pressionar a raiz no baixo com o polegar é essencial para esse estilo. Isso também acontece no nosso novo single, "Dani California". A maioria dos licks de guitarra nessa música não podem ser tocados de outra forma."




Como você toca a seção dos versos em "Under The Bridge"?

"Assim [FIGURA 2: veja compassos 9-18 da transcrição]. Para a maioria dessa seção, eu simplesmente toco cada acorde e deixo soar. A única exceção é o ocasional acorde de C#m, que é onde eu deslizo enquanto toco apenas as cordas lá e ré [compasso 10]."

Você ataca a guitarra de uma forma bem percussiva com a mão direita, que faz dessa parte algo mais poderoso.

"Eu nunca realmente pensei sobre como eu toco, mas agora que você mencionou, eu acho que o som tem mais a ver com quais cordas a mão esquerda permite vibrar claramente e quais estão abafadas. Ao abafar certas cordas com minha mão esquerda, eu posso tocar todas elas livremente com a palheta e ainda ter controle de quais notas são ouvidas. Se eu não quero que tal nota toque, eu só afrouxo levemente minha mão na corda sem retirar o dedo completamente dela.

Um bom exemplo dessa técnica acontece na segunda estrofe [FIGURA 3: veja os compassos 19-26 na transcrição]. Há uma parte que eu altero entre manter o acorde e adicionar algumas notas [no quarto tempo dos compassos 19-21]. Eu levanto levemente os dedos do acorde que estava sendo mantido cada vez que eu toco um pequeno riff melódico. A esse ponto, essa técnica já se tornou natural para mim, e eu acho que é uma ótima técnica para guitarristas aprenderem a usar."




Como você toca o pré-refrão [FIGURA 4: veja os compassos 27-30 na transcrição]?

"Nessa seção eu combino ataques abafados [compasso 27, primeiro pulso; compasso 28, quarto pulso] com vozes altas. Para que os ataques soem abafados, eu coloco levemente meus dedos nas cordas sem pressioná-las completamente."




O interlúdio de "Under The Bridge" [FIGURA 5: veja os compassos 45 até o fim na transcrição] é repetido no último refrão e no final. Como você toca a parte básica?

"Essa parte é relativamente simples. Eu não toco as raízes graves em nenhum dos quatro primeiros acordes; ao invés, eu coloco a quinta lá embaixo, tocada na corda lá. O interlúdio termina [nos compassos 51 e 52] com uma voz em acorde bem incomum para fá com sétima maior: é tocado como um fá com pestana comum, mas eu alcanço a 12ª casa da corda mi aguda com meu dedo mínimo para adicionar a sétima maior, mi. Eu uso essa mesma voz para o Sol com sétima maior no próximo compasso."

NOTA: Não conseguimos as transcrições da Guitar World de "Under The Bridge" - o Invisible-Movement que as possuía saiu do ar. Se você as possui ou sabe onde encontrá-las mande para JFeffects pelos comentários. Desde já, agradecemos!



Outro elemento que define seu estilo é o seu uso de riffs com staccato de guitarras rítmicas de funk [a la guitarristas de James Brown, "Chank" Nolen e "Catfish" Collins] em canções como "Give it Away" e "Can't Stop" [do By the Way].

"Eis um exemplo [FIGURA 6]. Quando tocando nesse estilo, eu consigo um som bem percussivo e funky por pressionar pouco as cordas. A ideia das músicas do James Brown era fazer da guitarra mais um instrumento de percussão, marcando o tempo. Esse estilo de tocar coloca o ênfase em ser muito preciso com a mão direita e permanecer bem dentro do groove. Numa Strat, também é bom usar o captador da ponte para conseguir um som e um ataque mais afiado."

Figura 6 - James Brown-style funk.



Em "Around the World" [do Californication], você usa um estilo similar mas toca riffs com notas simples ao invés de acordes.

"Certo. Aqui está um exemplo desse estilo [FIGURA 7]. O que vale é você ter um feel rítmico bem preciso, como uma máquina, e tocando as cordas o mais forte possível sem mover muito a mão direita. Eu criei o riff de "Around the World" enquanto acompanhava uma canção dos Beastie Boys, e quando eu o levei para Flea e Chad eles tocaram algo por trás que era completamente diferente dos Beastie Boys, e isso transformou o meu riff de guitarra em algo diferente novamente."

Figura 7 - Single-note funk.



Outro elemento que contém sua assinatura é o seu uso de riffs com duas notas, com acordes/melodias, onde você toca notas baixas numa corda grave com seu polegar enquanto dedilha uma melodia sincopada por cima, nas cordas agudas. Dois bons exemplos são os licks principais em "Scar Tissue" e "Murderers" [do disco solo de Frusciante To Record Only Water for Ten Days].

"Eu percebi exemplos dessa técnica em diferentes estilos musicais de diferentes épocas, mas eu estava principalmente influenciado pelo baixo de Eric Avery's do Jane's Addiction. Eu fiz disso parte do meu estilo pela primeira vez em 1991 quando eu estava influenciado pelas suas linhas de baixo em "Summertime Rolls" e "I Would for You". Então eu peguei essa ideia e fiz meu próprio som com isso, desse jeito [FIGURA 8]. A ideia é que quando você subtrai todo o espaço entre a nota mais baixa e a mais alta você cria espaço e dimensão, porque agora você tem uma parte alta e uma parte baixa - duas coisas distintas - ao invés de simplesmente tocar um acorde, que é apenas uma coisa. Era uma boa maneira de tocar violão e improvisar comigo mesmo, porque eu podia enviar meu cérebro para duas direções ao mesmo tempo.

Figura 8 - Two-note chord/melody ideia.



Aqui está um exemplo de improvisação com essa técnica [FIGURA 9]. Você pode sentar e se divertir com si mesmo, agindo como o guitarrista e o baixista ao mesmo tempo."

Figura 9 - Extended two-note chord melody improvisation.


Você também tem uma maneira de encarar solos em que você geralmente dá ênfase a melodia ao invés de técnicas espalhafatosas.

"Bem, você não pode esquecer que é tudo sobre fazer música. Não é sobre o que você pode mostrar às pessoas o que você consegue fazer com um pedaço de madeira com cordas; a ideia é fazer sons que sejam bons, e na música, isso tem tudo a ver com a relação entre os diferentes elementos. Se eu estou sentado em casa estudando um solo de guitarra, não é suficiente aprender o solo: eu tenho que ter certeza que eu entenda a relação entre as notas do solo e os acordes ou a linha de baixo que está sendo tocada por trás. O fato de eu encarar isso dessa forma é aparente em meus solos porque eu estou geralmente absorvido no que o baixo e a bateria estão tocando e pensando em criar dimensão em relação a isso. Eu não estou pensando, Oh, que bom - eles estão me dando uma tela em branco onde eu posso fazer o que quiser. É mais sobre a constante interação com seus colegas músicos.

No novo álbum, Stadium Arcadium, foi muito importante pra mim fazer muitas acelerações e desacelerações dentro das minhas frases de solo. Muitas pessoas tocam de uma maneira muito direta, como se precisassem aderir a uma cadeia de semicolcheias. É como se eles estivessem numa prisão; eles não saem disso; eles não tocam mais devagar ou mais rápido ou aceleram ou desaceleram.

A ideia para mim, especialmente nesse disco, era sair disso e não dar nenhuma atenção a ritmos estritos. Mesmo quando estou tocando coisas que se encaixem nas semicolcheias, eu tento atrasar um pouco ou ir mais rápido no tempo, e se estou dobrando uma parte de guitarra, eu tento não dobrar a frase exatamente. Em "Dani California", por exemplo, eu dobrei algumas partes em que, em um alto-falante, a parte está no tempo certo, enquanto o overdub no outro alto-falante é uma versão atrasada daquilo, o que cria um efeito legal. Chad e Flea fizeram muitas experimentações comigo no estúdio, e eu tentei solar num estilo em que a guitarra está "falando" por cima da música, achando seu próprio groove ao invés do que o baixo e a bateria estão tocando. Eis um exemplo de solo dessa maneira [FIGURA 10]. Ou assim [FIGURA 11]. Eu só estou tentando dobrar e torcer o tempo, esticando o tempo ao desacelerá-lo e comprimindo-o ao acelerar, e brincando com isso o tempo todo. É meio que dobrar a estrutura da realidade, porque para mim é mais fácil fazer isso com uma guitarra do que falando com alguém durante uma conversa."




Figura 10 - soloing: stretching and compressing time.



Figura 11.



Tradução: Pedro Tavares
Fonte: Guitar World - Julho de 2006

Agradecimentos: The Chili Source

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