25 de setembro de 2017

Breve História - Maio de 2000


A piração começou no primeiro dia de aula da FairFax School, em Hollywood, Los Angeles (EUA), nos finais da década de 70. Folgado, recém-chegado e Michigan, onde saiu para morar com o pai, e aspirante a ator, um tal de Anthony Kiedis, intimou um australianinho baixinho não menos folgado, Michael Balzary, a largar o pescoço do seu melhor amigo. Balzary, Flea para os manos, não titubetou: solte a pobre vitima mediante as ameaças o garoto fortinho. Em vez de sairem na porrada, Flea e Anthony trocaram ideias e descobriram que tinham muito em comum: ambos vinham da California, tinham pais separados, o gosto por acampamentos, a vontade de pertencer ao mundo artístico e um grande amigo, o israelense Hillel Slovak, que já tocava guitarra e alucinava ouvindo Hendrix e Kiss. Com o tempo os três tornaram-se grandes amigos e tiveram suas primeiras experiencias importantes juntos - a primeira vez que usaram certas drogas, a primeira vez que ouviram Gang of Four e Echoo & The Bunnymen, a primeira vez que viram uma obra de Jean-Michaek Basquiat, a primeira transa. Slovak conseguiu enfiar o rock na cabeça do Flea que, antes, só se ligava em Jazz, muito por causa de seu padastro, um jazzista que fazia altas jam sessions em casa. Não precisou muito para o guitarrista convencer Flea a trocar o trompete que ele dominava muito bem, pelo baixo elétrico. Junto com o baterista Jack Irons, Slovak convidou o baixista para tocar numa banda de HardCore, chamada Fear. Flea foi e curtiu, Às vezes, Anthony aparecia nos ensaios e recitava poesias que escrevia. Nessas, decidiram que ele seria uma especie de mestre de cerimonias do fear, abrindo shows com seus poemas.

Em 1980, Flea, Kiedis e Slovak terminaram o ginasio, Kiedis foi estudar na Universidade da Califórnia, enquanto Slovak se dedicava cada vez mais a sua guitarra e Flea, misturando seu gosto por jazz ao interesse por Funk Soul, começava a sacar a pegada dos baixistas de musica negra. Em 83, com o Fear no bagaço, Flea chamou novamente Jack Irons e Hillel e batizou o trio inspirado no nome do trumpetista e idolo do baixista, Louis Armstrong, dera a seu quinteto no inicio dos anos 20: THE RED HOT CHILI PEPPERS. Fizeram alguns shows como trio e, numa dessas noites, Anthony subiu ao palco no meio da sonzera e recitou um texto que havia escrito a pouco, intitulado Out Of L.A. A plateia gostou e o dono do lugar pediu que a banda voltasse mais vezes. Como quarteto, começaram a tocar na cena subterrânea da cidade dos anjos e começaram a ser conhecidos também. Tempos depois, num show em um inferninho de strip-tease chamado Kit Kat Club, Kiedis teve a ideia que se tornaria a marca registrada da banda. Na hora do Bis, o vocalista sugeriu que eles tirassem a roupa e voltassem ao palco trajando meias cobrindo seus bingulins, só assim poderiam chamar mais atenção que as garotas gostosas que dançam nuas no mesmo espaço. Não deu outra: pisaram no palco quase pelados, pulando pra lá e pra cá com as meias cobrindo seus pintos e o povo adorou. Daí pra frente, as performances dos Chili Peppers seriam sempre marcadas por algum tipo de sacanagem. Isso fez que a banda ficasse mais conhecida no cirtcuito underground de Los Angeles. Sem entender bem qual era a de Kiedis e Flea, Irons e Slovak saíram para tentar estourar com um grupo chamado What Is This?. Só tentaram. Quase um ano depois de inventarem a moda meia na caceta, vocalista e baixista assinaram com uma grande gravadora, convocaram o guitarrista Jack Sherman e o Baterista Cliff Martinez, e gravaram o primeiro disco. Intitulado simplesmente The Red Hot Chili Peppers (84), o álbum foi produzido por um dos heróis da banda, o guitarrista Andy Gill, do grupo inglês Gang of Four. Mas Gill não sacou a levada dos peppers e tentou fazer um disco comercial. Resultado: "The Red Hot.." passou quase batido pelos criticos, que o consideraram muito cru e confuso, e as vendas deixaram a desejar. Mas os agora os californianos não estavam nem aí. Continuaram a tocar o caralho nos shows a atrair cada vez mais público. Slovak e Irons voltaram atrás e pediram pra voltar a tocar com os caras. Ainda na mesma gravadora, se trancaram em estúdio com outro de seus heróis, o mestre dos magos do p-funk, George Clinton, mentor groove espiritual de um dos maiores grupos de som negro da historia, o Paliament e o Funkadelic, entre os prediletos dos rapazes, No comando da produção, Clinton, maluco das antigas, entrou na onda da banda e destacou ainda mais seu lado funk. Ligado no rock desde que ouviu Hendrix pela primeira vez, o produtor estava em casa: soube dosar em, exatas medidas as doideras roqueiras com as rimas do rap - que ainda só era coisa de negão - e o funk, que comia solto. Em 1985, chegou às lojas Freaky Styley. Em uma escutada é fácil perceber a evolução musical que rolou entre o primeiro e o segundo trabalho, Flea arrepiava no baixão, Slovak ora distorcia os acordes como um Hendrix bêbado de cândida, ora limpava os sons e caprichava nas palhetadas afinadas feito um Catfish Collins, guitarrista de ajudou o reverendo James Brown em seu caminho para o estrelato. Shows lotados, performances endomidas e as - agora notórias - meias nos bingulins faziam a alegria do quarteto, que se armou direitinho para o álbum seguinte.

O terceiro disco do Red Hot Chili Peppers, The Uplift Mofo Party Plan (87), produzido por Michael Beinhorn (Soundgarden, Aerosmith, e Hole), veio rasgando, como navalha na seda, e, pela primeira vez, levou os Peppers as paradas. Tudo bem eles entraram em 148° lugar na lista dos mais tocados e vendidos, mas entraram. Décadas mais tarde, a ser chamado de funk-o-metal, os Peppers reviveram e deram nova cara ao estilo, com o baixão sempre botando pra fuder e a guitarra gritando de tanto apanhar nas mãos de Slovak. Kiedis fazia raps como um Flavor Flav alemão, rimando sacanagem com molecagem, Califórnia com esbórnia e baixaria com putaria. Em SPECIAL SECRET SONG INSIDE, ele avisa: "eu quero fazer uma festa na sua buceta". Nessa época, Hillel e Anthony se afundaram na heroína, a droga dos gênios jazzistas. Somente quando o guitarrista teve uma overdose, quase indo desta para uma melhor, eles decidiram que era a hora de largar a mão. Após uma cansativa turnê pela europa, em 88, os quatro deram um tempo e se separam por alguns meses para cuidar de suas vidas. Longe dos manos, Slovak entrou em depressão e recorreu novamente a heroína. Só que desta vez, a dose foi fatal. Slovak morreu de overdose em junho daquele ano. Kiedis e Flea ficaram arrasados, sentindo-se culpado por deixar o amigo sozinho, Anthony seguiu para um retiro no México decidido a exorcizar de vez seus vício. Vendo a casa cair e sem querer ser o último a sair para apagar a luz, Jack Irons anunciou sua saída e Flea ficou sem saber o que fazer, curtindo, na medida do possível, o nascimento de sua filha, Clara, e sua carreira cinematográfica. Na volta, Anthony chamou o amigo e, juntos, resolveram apertar o botão do já era e seguir com a banda.

Mal eles resolveram voltar a ativa, um moleque fanático pelo RHCP e, sobretudo, por Hillel Slovak, colou forte. Aos 18 anos, o guitarrista novaiorquino Jonh Frusciante não era o Robin, mas era um menino prodigio. Tocava muito e, para a surpresa dos Peppers restantes, sabia cada acorde, cada solo, cada variação que Slovak registrava em seus trabalhos com a banda. Faltava agora um batera de responsa para substituir Irons. Fizeram uma audição com mais de 30 pretendentes. Quando o último foi embora e o trio já estava desistindo da coisa, um grandalhão com visual Hell´s Angel passou pela porta, se apresentou e, sem tirar os oculos escuro e a bandana, sentou no banquinho da bateria. Flea chamou um som, Frusciante foi atras e o grandão tocou como nunca, debulhando a batera, casando perfeitamente seu estilo com o baixo de Flea. Ao final da sessão, Kiedis, só para tirar uma avisou: "Você só entra na banda se raspar essa cabeleira". O batera, Chad Smith, não raspou o cabelo, mas nunca mais os Peppers precisaram testar outros músicos para a posição. Tudo certo, contrato com a gravadora em dia, eles se reuniram, compuseram, arranjaram e gravaram seu primeiro disco de ouro, Mother´s Milk (89). Renovado, o Chili Peppers estava, mais uma vez pronto para reclamar seu lugar na musica jovem, pop, rock, funk, ou seja lá qual for o tipo de som. Alem de todo o àlbum ser dedicado a Slovak, a banda ainda compôs a emocionante Knock Me Down, em memoria ao guitarrista. A turnê de "Mothers.." foi um sucesso, as vendas também. Ninguém havia morrido ou saído do grupo. do 148° lugar na Billboard com "The Uplift..." , eles pularam para 52° lugar. Nesse clima, isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais, os quatro, prestes a serem reconhecidos como a formação clássica dos Red Hot Chili Peppers, escolheram o barbudo Rick Rubin, odiado por muitos, amado por muitos outros, para produzir o que viria ser o graaaande disco da banda.

Em vez de bancar horas e mais horas em algum hiper-mega estúdio em L.A., eles escolheram uma velha mansão nas colinas californianas, com fama de mal-assombrada. Em vez de usar a última tecnologia em gravação, Rubin mandou buscar velhos amplificadores valvulados, mesas de som empoeiradas e todo o tipo de velharia apta para captar a atmosfera da casa, das gravações e da banda. Bingo! Blood Sugar Sex Magik foi lançado em 91 e trouxe o primeiro grande sucesso comercial da banda: a balada Under The bridge. Baseado em sua experiencia com heroína, Kiedis escreveu essa letra e a escondeu em seu caderno de anotações, considerando-a sentimental demais. Rubin leu, vislumbrou cifrões e mais cifrões e pediu que ele a mostrasse aos companheiros. Imediatamente, eles pegaram seus instrumentos e começaram a fazer o som. Com os clipes de Under the Bridge, Breaking teh Girl e Give it Away sendo repetidos incansavelmente pela MTV e as mesmas músicas rolando toda hora na radio, não teve jeito. "Blood.." vendeu mais de 2 milhões de cópias nos EUA. Finalmente, muita grana, fama no mundo todo e tudo que o mega sucesso traz. Incluindo a insatisfação de um dos integrantes. Talvez ainda muito jovem pra aguentar as turnês pelo mundo, entrevistas e loucuras, muita loucuras em forma de sexo e heroína, o menino John anunciou sua saída em 92. Entregue ao destino, Frusciante se exilou do mundo e tornou-se um viciado por opção. Puto da vida com o ex-colega, Kiedis não quis saber de choradeira e logo achou substitutos pouco brilhantes para Robin. Entre eles, um amigo de Flea, o não tão genial Eric "the frak" Marchal, que tocou com a banda no Brasil em 93. Em 94, vestidos como o Lampadinha, mascote do professor Pardal da Disney, estrearam no festival de Woodstock com seu novo guitarrista: o todo pose Dave Navarro, ex-Jane´s Addiction. Rapidamente sua influencia sobre a banda pôde ser sentida. Em One Hot Minute (95), Sons como Warped lembram demais Jane´s - Uma queda do nivel de originalidade dos Peppers. Navarro pareceu dominar a área acentuar o clima gay do RHCP, que sempre existiu. Sobretudo por conta da bitoca que dá na boca de Kiedis no clipe desse som. "One.." não surtiu o mesmo efeito que "Blood.." mas valeu. Especialmente porque a participação de Navarro durou pouco.

Em abril de 98, para felicidade de muitos fãs, Navarro saltou fora do barco alegando incompatibilidade criativa. Depois de deixar a banda, declarou que se sentiu ridículo em vestir as lâmpadas em Woodstock e que se demitiu porque não conseguia fazer caretas. O fulano era estrela demais para uma banda que nunca se preocupou em destacar aquele integrante. Como se não bastasse, Anthony Kiedis e Chad Smith sofreram acidentes com suas Harley Davidson em Los Angeles. Kiedis havia voltado a heroína, embutiu a moto na caranga de uma velhinha, fraturando os punhos e Smith chapuletou o ombro depois de tentar desviar de um carro em freada brusca. Longe da cena após sua saída do RHCP, Jonh Frusciante havia se enfiado na jaca até o pescoço. Depois de lançar dois discos solos tão legais quanto estranhos -NIANDRA LADES & USUALLY JUST A T-SHIT (95) (dedicado a Clara Balzary) e SMILE FROM THE STREETS YOU HOLD (97) mas sem nenhuma repercussão - nem os Peppers ouviram!, ele decidiu que iria acabar com a vida de qualquer jeito. Injetava heroína, cocaína, fumava crack, tomava valium, bebia vinho todos os dias e nem chegava perto da guitarra. Quando Flea disse para Anthony que Frusciante deveria voltar, Kiedis, ainda corroído pelas brigas de anos antes, recusou a ideia. Mas foi só o baixista dizer a frase magica " a volta dele é a unica coisa que nós pode manter vivos e juntos ", para o vocalista se ligar que estava num mato sem cachorro.

Encontrado num chalé de Los Angeles sem os dentes, os cabelos caindo , as unhas podres, quase sem voz e envelhecido uns 30 anos em apenas 4, Frusciante decidiu se internar para salvar sua vida, Para celebrar a volta do filho prodígio, o Chili Peppers chamou mais uma vez Rick Rubin e fez Californication (99).

Não o melhor mas o mais inspirado e melódico disco da sua carreira. Recheado de baladas em que Kiedis desliza sua voz limitada e com Frusciante provando ser um dos guitarristas mais expressivos desde que apareceu, o álbum é a visão musical de uma banda madura que não é mais o grupo da vez. Quando se fala em RHCP não se pensa mais nos termos "moda" ou "sucesso". No Brasil, em 99, subiram ao palco concentradíssimos na musica que faziam, quase sem ligar para as reações do publico. Horas antes a entrevista exclusiva a Revista Rock e "a 89 - A radio rock" Flea exibiu discretamente seus dotes - sem meia! - Frusciante desceu o pau na pose de ex-drogados do Aerosmith e Kiedis alertou Smith que os repórteres iriam peguntar sobre as relações da banda com o homossexualismo. O baterista responde com um grande e generoso beijo na bochecha do companheiro. Se outros revezes podem entrar no caminho, ninguém sabe. A certeza é que, por enquanto, ele ganham, e feio, a batalha contra o fim, lutando como bravos moleques californianos que se tornaram.


Fonte: Revista 89 Rock (Brasil) - Maio de 2000.

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