10 de setembro de 2017
Red Hots chegam em Californication de bem com o passado - Julho e agosto de 1999
Depois de One Hot Minute, os Chili Peppers nos deixaram esperando por quatro anos até
lançarem Californication. Foi o período em que John Frusciante, o guitarrista em Blood
Sugar Sex Magic, se recuperou de sua longa ida ao inferno. Anthony Kiedis e John Frusciante
explicam...
Então, é uma continuação ou um novo começo?
Anthony Kiedis: Não é exatamente a continuação das coisas como eram com o John. Já faz
tanto tempo; todos estiveram fazendo outras coisas. Acho que todos evoluíram muito. Então
quando nos juntamos, tínhamos muito mais a nos dizer do que quando perdemos o contato.
Há sentimentos que persistem, mas não todos permanecem. Não é o álbum que faríamos se
tivéssemos juntos desde 1992. É bastante diferente do que poderíamos ter feito naquela
época. Acredito que tudo que aconteceu foi necessário para que fizéssemos este álbum.
Por isso vocês fizeram este álbum, de certa maneira, precisamente porque vocês seguiram
caminhos diferentes?
Anthony: Com certeza. Não acho que teríamos sido eficientes se tivéssemos continuado
juntos. Só percebemos isso em retrospectiva.
John Frusciante: Depois de Blood Sugar Sex Magic, eu não estava lá. Eu me perguntava
qual era a direção artística que o Chili Peppers estava tomando. Eu me sentia confuso. Não
gostava da forma como todos tinham se acostumado ao sucesso e não queria fazer parte
daquilo. Anthony tirava sua inspiração do público, mas eu me rebelei. É porque não tive a
oportunidade de perceber o que significava integridade e não entendia a atitude das pessoas
que não tinham a mesma sorte que nós, então senti que eles valiam muito mais. Só sei que
pessoas de quem eu gostava muito não eram valorizadas enquanto juntávamos todos ao nosso
redor. Não fazia sentido para mim. Fiquei doente.
Havia pressão também?
John: Não. Ninguém me pressionou. Mas mais tarde eu senti. Porque quando vi que eu e o
Anthony não estávamos trabalhando bem juntos, Flea nos pressionou a resolver o problema.
Eu não sabia o que fazer. Você não pode forçar duas pessoas que não acreditam nos mesmos
ideais a se olhares nos olhos. Mas agora nossa relação parece bem. Antes de sair do grupo,
não nos falávamos mais, mas agora ele é alguém cuja companhia é a de quem mais gosto. Eu
acredito na amizade dele e ele faz com que seja assim...De certa forma é graças ao Blood
Sugar Sex Magic... A maneira como tivemos que incorporar as mudanças nas melodias e
acordes na forma de um grupo, bem, nós desenvolvemos isso nesse álbum.
Anthony, é o retorno de John que marca o retorno à sonoridade?
Anthony: Não exatamente. Acho que todos nós mudamos muito, mas acho que isso permite o
renascimento do espírito original da banda. Me lembra do que se constituí o espírito do grupo.
Sem palavras, mas com música. Quando tocamos juntos, expresso as mesmas questões sobre
o que fazemos igual fazia quando começamos. Eu devo isso ao retorno do John.
Quando vocês tocavam com Dave [Navarro], não era o mesmo sentimento porque ele tocava
de uma maneira diferente...
Anthony: Eu não comparo. Eles são duas experiências totalmente diferentes.
John: Minha abordagem era usar as primeiras gravações com o Hillel e o Jack, antes de tentar
incorporar minhas ideias. Sempre ao entrar em um grupo, adotava essa abordagem como
prioridade, antes de entrar com minha primeira contribuição pessoal. Não acho que o Dave fez
o mesmo.
Anthony: Não, na verdade ele usou sua própria experiência. Isso não foi tão gratificante. Não
foi culpa dele.
John: Ele desenvolveu seu estilo enquanto tocava com o Jane’s Addiction e trouxe sua
experiência, enquanto eu me inspirei no que tinha sido feito com o Hillel.
Quais foram às circunstâncias da saída de Dave? Foi ele quem saiu?
Anthony: Eu não diria que ele saiu. Ele parou de trabalhar e todos sabíamos. A energia não era
boa, não era produtiva. Naquela época, o grupo não se comunicava muito. Estávamos todos
ocupados com outras coisas.
Foi uma decisão do grupo?
Anthony: Gosto de ver dessa maneira. Na época, ninguém sabia que gênero poderíamos
produzir. Com o tempo, todo mundo entenderá que foi uma decisão mútua. E também, a sua
saída significou que poderíamos fazer coisas que não poderíamos ter feito se ele tivesse ficado.
Vocês ainda estão em contato?
Anthony: Na verdade não. Eu deixei uma mensagem na bicicleta dele, para dizer olá.
John, como você retornou para o grupo? Como você os contatou?
John: Eu e o Anthony nos vimos duas vezes. Pude perceber que ele se sentiu contente em me
ver e vice-versa. Senti que talvez houvesse um jeito de nós fazermos algo juntos e aceitei fazê-
lo. É bom encontrar alguém que te aprecia quando você pensa que a relação já não é possível.
Foi como “nossa, talvez poderíamos recomeçar algo”. Foi ótimo.
Anthony, você ligou para ele?
Anthony: Um amigo próximo me ligou para dizer que o John estava por perto e não mais
vivendo no seu próprio mundo. Ele estava pronto para se colocar à disposição. Pareceu uma
oportunidade para retomar o contato, o que não consegui fazer por um bom tempo. Durante
esse tempo, eu escrevi para o John, só para dizer o que sentia. Dois anos após a saída dele,
sempre me senti incapaz de me comunicar com ele. Estava muito ferido e confuso. Depois
passou e percebi que não era culpa de ninguém: aconteceu porque tinha que acontecer.
Queria compartilhar meus sentimentos, mas nunca terminei minhas cartas. Eu sentia muito
por tudo. Fiquei bastante empolgado quando nosso amigo Bob ligou e disse que nós
poderíamos ir vê-lo [John].
John (falando para Anthony): Foi legal conversar com você no show do Jane’s Addiction.
Você viu as cartas, John?
John: Não sabia nada disso até agora. Nós discutimos através da mídia, em entrevistas.
Anthony: Às vezes, realmente penso que deve haver energia na atmosfera e que deve descer
até ele. Mandei mensagens. Quando as recuperei já não havia discussões para enterrar o
passado. Estabeleceu-se que havia um limite aí.
Sua saída na época foi bastante abrupta…
John: Não. Começou no final das sessões de Blood Sugar Sex Magic. Sei que o Flea
suspeitava que algo estava acontecendo. Depois da primeira parte da turnê, eu e o Flea fomos
a um parque e nos sentamos. Ele me falou: “tem alguma coisa que você gosta na banda?”. Eu
disse não e que o único motivo por continuar era porque me importava com ele, que não me
sentia bem. Ele respondeu: “você não precisa ficar na banda por causa de mim”. Não falamos
mais nada sobre isso, mas tenho certeza que ele sabia que eu sairia. E você também [para
Anthony], né? Aconteceu um ano antes da minha saída.
Anthony: Sim. Eu senti. A parte ruim da sua saída foi que aconteceu no meio da turnê. Foi um
final repentino. Foi um término doloroso porque estávamos longe de casa, no Japão.
Você tem medo de confiar hoje? É uma condição que exige algo sólido para se reconstruir.
Você não teme que aconteça de novo?
Anthony: Com certeza não. Atualmente, todos estão felizes na banda. É o suficiente para nós.
Não poderia me importar menos com o que acontecerá depois. Se um dia alguém sair da
banda, tudo bem. Não gostaria de dividir esta aventura com alguém que se sente forçado.
John: Eu não machuquei ninguém ao sair da banda. Alguns fãs talvez tenham tido essa
impressão. Igual em uma relação que não funciona mais, você não fica nela inutilmente ou
algo assim. Igual num casamento. Para continuar convencendo no palco, temos que mostrar
para o público a sensação de uma banda unida. É uma merda quando as pessoas da banda
estão em desacordo. Não havia essa passividade na época de Blood Sugar Sex Magic.
Tenho certeza disso porque passamos um tempo juntos como bons amigos e, dois meses
depois do lançamento do disco, quando estávamos em turnê, ninguém mais se escutava. Eu
assisti recentemente a um vídeo nosso, e é evidente que não estávamos interessados em
nossas companhias. Nossa inspiração não era mais o grupo. O Flea tirava sua inspiração de um
tipo de raiva; O Anthony do público, e eu encontrei a minha dentro de mim e fora do espaço. E
o Chad tirava a dele da Heineken!(gargalhadas). Foi interessante, mas quando vi o vídeo, vi o
porquê tinha saído do Chili. A banda não parecia nada.
Anthony: Sim, eu senti isso. Também lembro que durante os primeiros shows que sucederam
o álbum, não alcançamos aquela intensidade.
John: Quando eu disse que não nos escutávamos mais, sempre tocamos juntos porque havia
uma química específica do grupo. Era o que havia de melhor para tocar. Com todos os comentários que ouço, eu me digo que tinha uma razão para sair e que não machuquei
ninguém.
Após sua saída, você entrou numa período difícil. Existem outras dificuldades que você
encontrou por causa das drogas?
John: Não considero como um problema, mas as pessoas sim. Não me interessa a opinião
delas. Minha maior frustração, durante a turnê, era que eu não tinha nada para fazer. Eu
tenho uma necessidade de explorar meu interior. Estava tão deprimido que sai da banda.
Fiquei sentado no meu sofá, sem nada para fazer. Não conseguia ouvir música, ou ler livros, ou
ver TV. Não queria só sentar e observar o espaço. Me sentia miserável. Decidi que a única
maneira de ser feliz era me tornando um viciado em drogas. Só me sentia feliz quando usava
heroína. Meus amigos que vieram da costa viram que eu estava num péssimo estado na minha
tentativa de ser feliz de novo. Fiz isso por quatro anos e depois experimentei dois anos de
tristeza e escuridão. Tempos difíceis por causa das drogas.
Como você saiu dessa?
John: Fui ao hospital. Havia uma necessidade de passar por isso. Demorou vários meses para
me convencer a não me chapar.
Você passou por um acidente de moto. O que aconteceu e você se recuperou totalmente?
Anthony: Amo motos. É a coisa mais estranha. Quando estou na minha moto, a concentração
que ela exige demanda um tipo de meditação. Não penso em todas as coisas que talvez me
distraiam da minha relação com o céu. Quando estou pilotando, instantaneamente me sinto
em paz e em harmonia. Fui a um parque e uma mulher bateu atrás de mim. Fui esmagado pelo
carro dela. Foi muito violento. Bati em um veículo e cai no chão. Olhei para o chão e vi meu
braço triturado. Foi bem feio. Fui para o hospital e eles realizaram uma longa operação. Eles
disseram que a articulação estava triturada e que os nervos estavam completamente
destruídos. Depois de um tempo, me perguntei: “Por que isso aconteceu? Por que estou aqui
em pedaços?” Então olhei ao meu redor e percebi que poderia ter sido muito pior. Não
deveria ser dramático. Estou agora focado na minha remissão. Fui nadar todos os dias por dois
meses na Tailândia, Austrália e Nova Zelândia. Todas as sensações voltaram, como eles
disseram que voltariam. Então tudo aconteceu da melhor forma.
Tradução: Paula Buckvieser
Fonte: Guitar Part (França) - Julho e agosto de 1999
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