17 de outubro de 2019

John Frusciante retorna ao Red Hot Chili Peppers - Setembro de 1999


A notícia da volta de John Frusciante ao Red Hot Chili Peppers foi recebida com otimismo pelos fãs da guitarra funk dos discos Mother's Milk e Blood Sugar Sex Magik. Frusciante saiu da banda em 1992 para lançar dois estranhos álbuns solo e para lutar contra seus demônios pessoais. Por um tempo, até os defensores mais radicais de Frusciante questionaram sua capacidade de reacender a chama que fez o Chili Peppers vermelhos e ardidos durante a sua breve estadia na banda.




As dúvidas são deixadas para trás quando a banda vai ensaiar para a turnê de promoção do novo álbum, Californication (Warner). Em uma jam de aquecimento, Frusciante toca solto e poderoso - uma mistura psicodélica de ritmos limpos de funk, texturas espaciais e distorção rasgante. A comunicação telepática entre os Peppers - particularmente entre Frusciante e o baixista Flea - é incrível. Não são apenas quatro caras tocando. É uma banda.




O ensaio aconteceu no Hollywood Swing House. Vestido com um poliéster barato e com barba e corte de cabelo desleixados, Frusciante causa uma desconcertante primeira impressão. Claramente mais à vontade tocando do que falando, ele é simpático ao comentar sobre a composição, equipamento, técnica e o processo de gravação de Californication. Em sua passagem por São Paulo, recebeu novamente a reportagem da Guitar Player para complementar a entrevista. Frusciante ainda aparece estar dentro do seu próprio mundo, mas consegue manter um pé no nosso.




Quanto tempo você passou escrevendo e gravando Californication?
"Nós começamos em junho de 1998, mas tiramos um pouco de férias por motivo ou outro. Gastamos cerca de quatro meses ensaiando e compondo, e então entramos no estúdio e gravamos tudo em três semanas."

Vamos falar sobre algumas faixas específicas. Qual é a guitarra em "Around The World"?
"É um Fender Jaguar que peguei emprestada do nosso engenheiro de gravação, Jim Scott. Gosto das Jaguar - elas tem um som muito legal. Pluguei-a em dois Marshalls: um JTM 45 e um SuperBass de 100 watts. O SuperBass é ótimo e tem um som bem gordo. O timbre muda algumas vezes durante a música. A linha de single-notes tem um som distinto porque toco a guitarra de um modo diferente. A maneira como você usa os músculos do seu pulso faz uma grande diferença. Não sei exatamente o que fiz com esses músculos, mas não mudei os captadores até chegar no refrão."

O groove de semicolcheias que você e Flea tocam em "Parallel Universe" é bem encaixado. Você o gravou com um metrônomo?
"Não. Você teria que perguntar a Chad Smith (baterista do Chili Peppers), mas acho que gravamos com metrônomo, sim."

O que é o som phaser no final daquela música?
"Peguei emprestado um MXR Phase 100 do pessoal que estava gravando na sala ao lado. Estava procurando uma abordagem para aquele solo e o Phase 100 funcionou muito bem."




Como foi gravado o hit "Scar Tissue"?
"Foi minha Strato '55 com braço de maple - a maioria das bases foi gravada com essa guitarra. Creio que liguei-a ao Showman, porque o Marshall não era limpo o suficiente."

Como essa música surgiu?
"Usei essa técnica - que consiste pegar duas notas que estão distantes e tocá-las num ritmo legal - no meu primeiro disco solo. "Scar Tissue" é um exemplo muito simples disso, mas é um lance que me identifico."

As partes de slide foram gravadas com a Strato também?
"Não. Usei uma Telecaster '65. Existem dois solos diferentes - apenas liguei o pedal fuzz no segundo solo."




Qual é o wah-wah na introdução de "Get On Top"?
"É o pedal WH-10 da Ibanez. Eles não o fazem mais, mas é o único wah que eu uso, pois não gosto de outros."

Qual é a diferença?
"Os outros wah-wahs parecem cortar o volume pela metade e o timbre não é tão gordo - fica menor. Com o pedal da Ibanez, o som permanece grande, e o aparelho tem um alcance bastante amplo. Possui também uma chave para baixo ou guitarra. Em "Get On Top", usei o ajuste para baixo. O solo em "I Like Dirt" foi tocado com a chave na posição para guitarra."

Você usou a Strato em "Get On Top"?
"Sim, a de 55. É a que tem o melhor braço para tocar. Para a turnê, esta e uma Strato '62, com braço de jacarandá."

A música parece similar em algumas faixas do Blood Sugar Sex Magik. É uma volta consciente às músicas daquela época?
"Não. Eu estava escutando Public Enemy uma manhã, e tive a ideia desse ritmo, o pedal de wah do Flea no final da música. É outro solo discreto. No ensaio, fiz muitos solos de guitarra gritantes nessa música, mas acabei tocando o que está no disco com uma Gibson ES-175 ano 1956, com encordamento .013. Não usei muito essa 175 - somente em "Porcelain" e neste solo."

Em que você estava pensando?
"No solo de Steve Howe no final de "Siberian Khatru", do Yes. O som da banda é bem grande e eles estão tocando rápido - de repente uma guitarra limpa aparece. É bem bonito. Em "Get On Top" eu queria tocar algo que criasse um contraste entre o solo e a base."




Os timbres de "Otherside" não parecem com nada do que você fez antes.
"É uma Gretsch White Falcon '55 através do Showman e uma caixa Marshall 4x12. No overdub, usei uma Gibson SG Custom '61 com um Marshall JCM 800 no talo - um humbucker num Marshall, como Eddie Van Halen."




Qual é o significado do título "Emit Remmus" e como você faz aquele sustain?
"O título é "Summer Time" ao contrário. Consegui o sustain à moda antiga - com dois stacks no volume máximo. É só um canal, tocado numa Strato afinada um tom abaixo."

Como você fez a nota do feedback mudar?
"Isso depende do movimento do seu corpo, mas até que não mexi tanto. Tem mais a ver com a sua respiração e com o que você está pensando."




Seu solo em "I Like Dirt" é a coisa mais próxima de Mother's Milk que você fez em um longo tempo - ele quase não combina com o resto do disco.
"Acho que combina sim. Estou tocando solos mais cheios hoje em dia - isso começou a acontecer mais ou menos na metade da gravação do álbum. Enquanto estávamos compondo, o conceito do que a guitarra devia ser não tinha nada a ver com os solos de "rockstar". Eu pensava nas músicas e não em solos. Na época que gravamos, no entanto, foi esse o solo que saiu. Minha ideia do que constitui tocar bem uma guitarra está sempre mudando."




Você usa alguns efeitos bem radicais em "Savior".
"Aquele timbre de delay pesado é da minha Strato '55 com um Micro Synth da Electro-Harmonix e um 16 Second Delay. É um som estranho, inspirado em Eric Clapton na época do Cream. As notas são como um solo de Clapton - só que não parecem por causa dos efeitos. Ninguém toca melhor do que Clapton no Cream. Não existe motivo nenhum para que um solista de guitarra tente ir a outro lugar além daquilo. É o máximo. É possível criar outras cores musicais, é claro, mas quanto aos solos, acho difícil."




Descreva o processo de composição no Chili Peppers.
"Algumas músicas surgem de jams, e outras de partes que alguém escreveu. No meu caso, escrevo um milhão de coisas que acabo deixando de lado. Certas idéias são boas apenas no momento em que você as compõe. Outras são legais por certo tempo, e perdem algo. Há ainda aquelas idéias que vão recebendo mais vibrações mágicas - ficam melhores à medida que todos as escutam. Essa são as que se tornam músicas."

Qual seria um exemplo de música que você compôs?
"'Around The World'. Pensei naquela parte de guitarra na minha casa e disse a todos: "vocês têm de ouvir isto, mas não consigo tocar sozinho". Pedi para Chad manter o ritmo no chimbau enquanto tocava o lick. Todo mundo gostou, então continuei a tocar várias vezes até que o Flea criou a parte do baixo."

Por quanto tempo você ficou tocando o lick até o Flea compor a linha do baixo?
"Talvez uns 15 minutos. Flea é o melhor baixista do mundo. O senso de ritmo e a maneira como ele pensa são muito loucos. A linha de baixo se encaixa de forma impressionante com a minha guitarra. Quando tocamos sem a bateria, não faz sentido. Com a bateria, os instumentos se fundem. Nossos estilos se complementam, e gostamos muito de tocar juntos."

Quais músicas surgiram de jams?
"'Parallel Universe', 'Scar Tissue', 'I Like Dirt' e 'This Velvet Glove'. Nós improvisamos todos os dias. Temos a mesma liberdade e interação que as pessoas tinham nos anos 60, quando tocavam solos longos, mas nós não enfocamos ninguém como solista. É um trabalho de partes e ritmos que se equilibram e tornam algo especial."




Como o produtor Rick Rubin contribui nesse processo?
"Ele não se envolve com a composição, mas tem um papel importante na construção das músicas. Ele nos fala se uma música precisa de mais uma parte e nos ajuda a equilibrar as músicas de modo que não tenhamos sessões longas ou curtas demais. Ele é o produtor perfeito para nós."

O novo disco tem dinâmicas extremas. Isso é influência de Rubin?
"É o resultado natural de tentar abordar cada música de forma diferente. Flea e eu tocamos nossos instrumentos de maneiras distintas em cada sessão de gravação, e isso cria dinâmicas variadas."




Uma vez você disse: "a técnica não é importante, mas sim a expressão da sua vida através da música". Mas você tem técnica - onde ela se encaixa?
"Parei de pensar na guitarra como um objeto no qual faço pequenos exercícios, e comecei a enxergá-la como algo que faz sons que atravessam o ar e que cria algo do nada. Isso é música. Agora sei disso, posso trabalhar duro na técnica, e isso não faz diferença quando entro no estúdio ou em um ensaio. O importante é refletir o que você é. O problema com a técnica é que ela não deixa espaço para pessoa em si. Preenche-se tudo com escalas rápidas, e o espaço é talvez o elemento mais importante na música. Mas admito que estou tocando solos mais rápidos hoje em dia."

Então o solo de guitarra não está morto?
"Não. Mas a abordagem que muitas pessoas têm está morta. O máximo que já se chegou, em matéria de "herói da guitarra", foi o que Jimmy Page, Eric Clapton, Jeff Beck e Jimi Hendrix fizeram nos anos 60. Não dá para ficar melhor do que isso. Gostei do que Eddie Van Halen fez nos primeiros discos, mas não curto o que os outros fizeram inspirados por ele. Os guitarristas de new wave e punk faziam, no começo dos anos 80, as coisas mais legais que surgiram depois dos anos 60. Todo guitarrista punk tinha o seu próprio som, e eles estavam tirando cores pessoais da guitarra."

Qual a importância do equipamento para você? Você toca de maneira diferente numa Les Paul e numa Jaguar?
"Sim. Tenho um estilo distinto para cada modelo, e prefiro guitarras que fazem você olhar para música de maneira diferente. Gosto da idéia de usar a Gretsch White Falcon em algumas músicas porque não consigo tocar como um guitarrista rockstar com uma guitarra com encordoamento .012. Preciso aplicar um sentido musical diferente para o lance dar certo. É engraçado - Jeff Beck pode fazer qualquer guitarra ficar com o som dele só com os seus dedos. Sou o oposto - toco de acordo com a guitarra. Sou do mesmo jeito com efeitos. Por exemplo, no Blood Sugar Sex Magik, fui direto para a mesa e coloquei overdrive no solo de "Suck My Kiss". Agora, não consigo um som como aquele."




Existe alguma música que resume John Frusciante?
"Talvez "Usually Just a T-shirt #2", do meu primeiro disco solo. Não poderia escolher uma música do Chili Peppers porque elas são da banda toda. Conosco, não é o caso de expor John Frusciante, trata-se da parte de guitarra que faço para expor todos da banda."

Fale do período em que você esteve afastado do Red Hot Chili Peppers e sobre seus discos solo, Niandra Lades e Smile From The Streets You Hold.
"Meu primeiro disco solo foi gravado todo enquanto ainda estava no Chili Peppers. O estilo de composição do disco representa o meu lado que não cabia na banda. Foi gravado quando estávamos fazendo o Blood sugar Sex Magik. O segundo álbum foi feito porque estava precisando de dinheiro para comprar drogas. É preciso um pouco de imaginação para entender meus discos solo. No período em que estive fora da banda, não produzia muito e não estudava guitarra. Hoje, de volta ao Chili Peppers, tenho novas ideias para álbuns. Estou explorando lances eletrônicos, como sintetizadores, para criar texturas. Gravo o tempo todo. Quando componho para os Chili Peppers, aproveito para fazer algo para meu trabalho solo."

Se não tocava guitarra, o que você fazia quando deixou a banda?
"Apenas pintava. Não queria nem sequer ouvir música. Algum tempo depois, escutava só David Bowie, Bauhaus, The Germs, Genesis com Pepter Gabriel e Jane's Addiction, que não me lembravam coisas ruins. Hoje, escuto de tudo e sempre toco guitarra, mas gosto também de desenhar e pintar."




Como modulou um estilo próprio vivendo em Los Angeles, uma cidade que fabrica guitarra aos montes e que abriga escolas como o GIT, por exemplo?
"Isso é até uma vantagem, porque pude perceber qual é o meu caminho. A maioria das pessoas que estudam no GIT não vêem a música com um ângulo correto. Coisas de natureza técnica não tem valor musical, a não ser para criar cores diferentes. É apenas uma ferramenta. Tocar guitarra é se relacionar com os outros instrumentos da banda. É preciso saber onde tocar no compasso, quanto tempo a nota deve durar, encaixar-se com o baixo, bateria... Isso é música. Tocar uma escala de ponta à outra, em alta velocidade, não é importante."

Quais mudanças em seu estilo ocorreram de Blood Sugar Sex Magik a Californication?
"Na época do Blood Sugar, meus dedos estavam muito mais fortes, porque toquei sem parar desde os 12 anos de idade. Antes de Californication, passei por uma fase de uns sete anos na qual quase não peguei na guitarra. Mas trabalhei duro em ambos. Em Blood Sugar, concentrei-me em Jimi Hendrix e Eddie Hazel (Funkadelic). Em Californication, fui para o lado de Bernard Summer (Joy Division) ou Mathew Ashman (Bow Wow Wow), pessoas com estilos coloridos que não utilizavam notas com um significado blues. Um b3, uma 4ª ou uma 5ª, se tocadas em determinado ritmo e de certa maneira, não caem no blues. Nos anos 70, muita música boa foi criada sem o blues como ponto de partida. Quero que meu estilo seja assim. Não comecei a tocar guitarra por causa do blues ou seus derivados."

Então o que o inspirou a tocar?
"Os estilos que me levaram à guitarra foram o new wave, de bandas como Devo e B-52's, e o punk, como The Germs e Black Flag. Esses estilos não vieram do blues, foram criados a partir de uma energia que havia no ar em meados dos anos 70. Quero capturar o que há de melhor desse feeling, pois creio que um estilo de guitarra, vindo do punk e do new wave é tão brilhante quanto o blues, pode ser criado. É o que estou tentando fazer hoje em dia. Passo muito tempo com minha guitarra tocando junto com trechos de sintetizadores do Kraftwerk, por exemplo, com lances que não se originaram no blues e buscam novos significados para as notas. Para muitos guitarristas, a b3 é sempre a de blues b3, e eu quero fazer a new wave b3."




Seu trabalho de mão direita é excelente. Como desenvolveu essa técnica?
"Muitos guitarristas que se dizem bons tecnicamente não chegam nem perto da rapidez da mão direita de Johnny Ramone. Esses guitarristas acham que Johnny está em um nível técnico mais baixo em relação a eles. Porém, é o contrário, em se tratando dos músculos da mão direita. Quando estava compondo para Californication, procurava tocar sempre com discos dos Ramones, Black Flag ou The Germs. É importante desenvolver os diferentes tipos de músculos da mão. No punk, o ideal é fazer palhetadas para baixo. Esses estilo soa menos autêntico com palhetadas para cima."

Não é possível tocar punk com palhetadas para cima e ter autenticidade?
"É possível, mas primeiro é preciso saber tocar apenas com palhetadas para baixo. Há um ano, eu não tinha a força nos dedos que tinha antigamente. Hoje, já consigo usar os músculos corretamente para criar diferentes texturas. Um bom conselho para mão direita é praticar palhetadas para baixo com velocidade e manter-se relaxado. O Ramones é um exemplo de diferentes ritmos que pode-se fazer só com palhetadas para baixo. Perguntei a Johnny de onde ele tirou isso e ele disse que era de Jimmy Page em "Communication Breakdown"."




Seu estilo tem um quê de funk. De onde vem isso?
"Na música de James Brown, você estuda como tocar acordes de forma percussiva, o que envolve levantar a mão esquerda imediatamente depois de atacar a nota. É tocar leve e forte ao mesmo tempo. Não sei direito como funciona, é difícil explicar."

Como pensa na guitarra em relação ao Red Hot Chili Peppers?
"Procuro pensar em termos de texturas, formas e cores. O mais importante é tocar guitarra e fazer com que Flea, Chad Smith e Anthony Kiedis soem o melhor possível. Desenvolvi um estilo específico para tocar com eles. É bom estar de volta ao Chili Peppers. Para mim, tocar com eles é muito natural."

Por que então deixou a banda?
"Não achava que estávamos crescendo musicalmente. Não fazíamos com que a música cumprisse seu papel. Parecia que havia a responsabilidade de tocar apenas por sermos bem sucedidos. Além disso, eu e o Anthony brigamos e não nos falávamos durante um ano. Não adianta tocar pelo dinheiro. Hoje estou feliz na banda e não uso mais drogas - minha vida é 100% dedicada ao meu desenvolvimento como músico. O instrumento precisa expressar o que o ar está dizendo. Há muitos ritmos e energias positivas no universo, com as quais você deve estar sintonizado. Depois que você morre, o que vale é a energia boa e os bons sentimentos que você criou."




Transcrição: Cidimar Lima
Por: Matt Blackett
Fonte: Guitar Player - Setembro de 1999

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