15 de julho de 2017

O trabalho mais bem elaborado de John Frusciante - Julho de 2009


A ultima vez que a Guitar Player publicou uma entrevista com John Frusciante foi em Janeiro de 2007. O Red Hot Chili Peppers havia acabado de finalizar o álbum Stadium Arcadium – um grande sucesso – e estavam se preparando pra embarcar em uma turnê mundial. Após a excursão, o guitarrista mudou o foco para sua carreira solo lançando um ambicioso novo álbum que contrasta com o minimalismo intencional de seus seis discos anteriores (que ele gravou em apenas 6 meses em 2004).

The Empyrean conta com Josh Klinghoffer na bateria e teclados, parceiro de longa data de Frusciante, e as participações do baixista do Red Hot Chili Peppers, Flea, do ex-guitarrista dos Smiths, Johnny Marr, do Sonus String Quartet e do grupo gospel Donald Taylor And The New Dimension Singers. O album foi registrado em dois gravadores analógicos de 24 pistas no estúdio caseiro de Frusciante e mixado à moda antiga em fita – sem automação – por Frusciante, Klinghoffer e o engenheiro Adam Samuels. Além dos muitos instrumentos e vozes utilizados, Frusciante e Klinghoffer utilizaram “tratamentos” para muitas das faixas usando manipulação de fita e uma série de processadores modulares vintage. O resultado é uma gravação dinâmica e musicalmente ousada, cujos mistérios só se revelam depois de repetidas audições.

Mas The Empyrean não consiste em apenas musicas instigantes e sons psicodélicos. O disco mostra uma das melhores partes de guitarra de Frusciante até hoje, como o belo e melancólico solo de 9 minutos em "Before The Beginning", o solo com fuzz inspirado em Robert Fripp em "Enough Of Me" e o wah-wah a lá Hendrix em "Unreachable". Embora não seja um desvio total dos álbuns solos anteriores de Frusciante, talvez The Empyrean seja seu trabalho mais bem elaborado.


Você tinha um conceito básico quando fazia The Empyrean?

"Sim, em termos de letra e música. No passado as letras vinham pra mim apenas enquanto estava compondo uma musica e eu achava que meu papel era sair do caminho e dar forma a uma energia que já existia em algum plano que estivesse conectado a minha imaginação. Eu estava preocupado tanto com o som das palavras como com as palavras em si, porque, quando você canta algo com convicção, isso transmite um significado emocional alem do sentido literal que as palavras podem ter. Mas, neste caso, havia algo muito especifico que eu queria expressar liricamente, e fiz revisão após revisão, a modo que cada linha significasse algo. Foi um novo desafio. O que as palavras significarão para outras pessoas vai depender de onde elas estão em suas vidas e quais são seus interesses, embora o significado possa também ser transmitido diretamente a seus inconscientes, não importando se as pessoas conscientemente entendam as palavras ou não.

Musicalmente, eu queria que as canções fossem mais baseadas no teclado – usando piano elétrico, órgão e sintetizadores – e não tivessem tanta guitarra rítmica, porque o som de uma guitarra base encobre os timbres dos outros instrumentos. Quando você compõe uma musica na guitarra, você tende a escutá-la daquela maneira, e fiz muitas gravações que simplesmente registrei a mesma parte de guitarra de quando escrevi a música. No novo álbum, toquei guitarra rítmica nos canais de base para servir de guia enquanto os outros músicos gravavam suas partes – mas raramente usamos nas mixagens finais o que toquei. Dessa maneira, as interpretações e idéias dos músicos combinaram-se para gerar partes que se tornaram mágicas quando tirei a guitarra – como se os instrumentos estivessem flutuando. Alguma coisa está segurando as partes juntas, mas você não sabe o que é. Às vezes, as pessoas fazem esse tipo de coisa com um metrônomo, mas não usamos clique. Era apenas o meu groove humano.

Outra parte do conceito envolveu utilizar edições de fita para criar bastante movimento entre as partes de uma musica. Você pula de uma atmosfera a outra, de modo que a estrofe soa como se estivesse acontecendo em um campo acústico, e o refrão soa como se acontecesse em um espaço completamente diferente, com instrumentos totalmente diferentes tocando. Em cada seção havia novos reverbs, ecos, tratamentos, sons vocais, etc. é como costumavam fazer nos anos 70, mas faz tanto tempo que as pessoas não fazem isso que sinto termos conseguido uma sonoridade nova."


Como você conseguiu fazer tudo fluir mesmo com edições tão abruptas?

"Descobri que se você deixar uma coisa igual, a edição é verossímil, não importando o quanto o resto muda. Por exemplo, se a bateria permanece no mesmo lugar, não importa se o resto da mix muda para um lugar diferente – você continua a acreditar na edição e as mudanças soam como se tivessem acontecido por mágica. Geralmente, nós testávamos as edições previamente em um computador, para ter certeza de que dariam certo – se você começa a cortar a fita e não dá certo, você acaba com uma bagunça no chão, e não sabe onde as coisas estão."

Quais foram as participações de Johnny Marr no álbum?

"Ele tocou guitarras rítmicas em Central e Enough of Me. Uma de suas partes em Central envolveu harmônicos tocados de um jeito bem legal. Espero poder relembrar o que ele fez, porque foi fantástico e nunca vi alguém fazer algo como aquilo antes."

Você tocou um longo solo em Before The Beginning do começo ao fim ou é uma compilação de diferentes tomadas?

"É uma compilação, provavelmente de três tomadas. Eu tinha algumas melodias em minha cabeça, mas não sabia o que fazer até começarmos a gravar. Nós nos divertimos muito misturando as partes para fazer um solo que melhor expressasse o que eu estava sentindo e para criar uma sensação de equilíbrio musical. Não gosto de “consertar” coisas em um computador, mas gosto da maneira como se pode usar mixagem criativa ou tratamentos sonoros para continuar a s expressar depois de você ter tocado algo. Gravamos e mixamos essa música em dois dias."

Os timbres de solo nessa música são espetaculares e parecem se misturar uns com os outros. Como conseguiu aqueles sons e o que aconteceu com a mixagem?

"Toquei minha Stratocaster enquanto permanecia em frente a um Marshall, e provavelmente usei um Boss DS-2 Turbo Distortion e um Mosrite Fuzzrite, juntamente com o controle de volume da guitarra, para produzir sons que iam do levemente distorcido a explosivo. Utilizei ainda um wah-wah Ibanez WH-10 para obter feedback em diferentes frequências, e devo ter adicionado um pouquinho de reverb de um Electro-Harmonix Holy Grail. Uma vez que os canais da guitarra estavam gravados, virei a fita e registrei cinco ou seis canais com diferentes tipos de ecos e reverbs por toda a música. Depois virei a fita novamente para que aqueles efeitos tocassem invertidos. Em seguida, ouvi de novo para encontrar os pedaços de que gostava e os equalizei para fazê-los combinar- às vezes, usando equalização extrema, como filtrar tudo exceto as frequências mais altas do eco ou do reverb. Enquanto mixava, cruzei e combinei os efeitos de várias maneiras para enfatizar a performance que já estava lá. Por exemplo, se uma nota já soava como se estivesse crescendo, eu fazia algo para faze-la soar ainda mais acentuada."

Que tipos de processadores de delay e reverb você utilizou?

"Usamos um Echoplex e um Roland Space Echo para o delay de fita, além de um delay digital Delta Lab Effectron. Para reverb, tenho um enorme plate reverb EMT – tem 3,7 metros de comprimento e é quase tão alto quanto eu – e um reverb digital EMT 250. O EMT 250 foi o primeiro reverb digital fabricado, por volta de 1976, e continua sendo meu reverb digital favorito. Gosto de antigas coisas digitais combinadas a sons e gravações analógicos."

Dê um exemplo de como você usou sintetizadores modulares para criar tratamentos?

"Há várias guitarras em harmônica tocando a maioria das notas longas que entram no final de Unreachable, que passei por um filtro low-pass ajustado no modo sample-and-hold e controlado por um teclado. Então quando eu tocava a nota mais grave do teclado, você escutava apenas as freqüências mais baixas vindo através do filtro, e quando eu pressionava a tecla mais aguda, era como se eu tivesse o botão de filtro no máximo e o filtro aberto totalmente – e pressionando qualquer uma das teclas no meio, produzia-se algo dentro dessa amplitude. Toquei uma batida de bateria no teclado, mas, em vez de gerar notas, o corte de freqüência do filtro mudava, e isso alterava o som das guitarras. Fiz a mesma coisa usando um filtro high-pass – gravei diversas tomadas de cada tipo e combinei-as na mixagem. Quando você filtra guitarras em harmonia, você retira certas notas da equação, dependendo de onde a freqüência de corte esteja ajustada. Fazendo várias tomadas disso, eu escutava todas as notas que queria para ouvir em vários andamentos, dando à parte um pouco de variedade."

Há um ótimo solo de wah-wah com sonoridade invertida em Unreachable. É outro exemplo de reverb ao contrário?

"Sim. A guitarra-solo não está invertida, apenas o som do reverb. Gravamos vários tipos de reverbs – um encorpado, um longo, etc. – para usar em diferentes andamentos. Os canais de reverb soam bem parecidos com guitarra invertida e, às vezes, você o escuta mais do que o canal com a guitarra seca. Por exemplo, no inicio, quando estou executando os trinados com duas notas á lá Hendrix, fazendo hammer-ons e pull-offs bem rápidos, a guitarra começa soando como se estivesse sendo tocada pra frente e, no meio, tudo repentinamente parece invertido."

Como obteve o timbre super-saturado de Enough Of Me?

"Toquei minha Strato conectada a um Fuzz Eletro-Harmonix English Muff’n e um Fender Bassman. Comecei com o som mais morto que uma Strato pode produzir, usando o captador do meio e colocando o controle de tonalidade da guitarra totalmente para baixo, uma regulagem que funciona muito bem com esse pedal em particular. O English Muff’n cria uma distorção rica quando você dá um boost nos graves e agudos, e meu pedal favorito para obter esse tipo de som. Esse solo envolve oitavas deslocadas e grandes saltos de corda, algo em que eu fiquei interessado. Você deve acelerar seu cérebro e dividi-lo de modo que possa pensar em duas direções ao mesmo tempo."

Falando em pensar em duas direções ao mesmo tempo, descreva os exercícios de aquecimento que você faz antes de se apresentar.

"Toco escalas, mas com os acentos totalmente desconectados da fórmula de compasso e arranjo das notas. Por exemplo, posso tocar grupos de 5 notas, mas acentuando toda sétima nota, então minha mão direita está pensando de um jeito e minha mão esquerda está pensando de outro. Escolho uma escala, como a menor harmônica, e toco sobre ela apenas as 5 primeiras notas, então volto para a segunda nota da escala e toco as próximas 5 notas, então volto para a terceira e assim por diante. Toco através dessa escala do grave para o agudo e depois do agudo para o grave. Uma vez que minha mão esquerda sabe o que fazer, tiro minha mente dela e concentro-me em tocar os acentos em cada sexta ou sétima batida. Determinar conscientemente onde você vai colocar os acentos – em vez de tocá-los de maneira previsíveis baseando em como as notas são agrupadas – lhe dá mais liberdade e permite tocar com mais expressão."

Quando muda os acentos, você bate seu pé para manter o pulso?

"Não. Bater meu pé seria mais uma coisa em que me concentrar [risos]. O principal benefício desses exercícios é obter mais controle de como tocar mais forte ou mais suave uma nota em particular, e isso representa uma parte enorme do fraseado. O que as pessoas chamam de alma ou o feeling certo em uma peça tem muito a ver com que tipo de fora muscular está sendo aplicado ao instrumento com sua mão direita combinado com a maneira que você move a corda com a mão esquerda, em termos de pressão e vibrato. Quando você está estudando, digamos, um solo de Hendrix, primeiro você aprende as notas, depois você pratica bastante pra ser capaz de tocá-las sem esquecer de nada, e então você presta atenção em COMO as notas estão sendo tocadas, que é algo completamente diferente. Há pessoas que chamam de “imprecisas” algumas coisas que Hendrix e Page tocavam, mas, na verdade, eles estavam colocando muita variação no som de uma nota para outra, fosse porque havia algum ruído ali, ou porque duas notas estavam sendo combinadas por um momento, ou porque um harmônico não estava sendo tocado. Pra mim, isso é muito mais empolgante do que escutar alguém tocando rápido, com todas as notas soando parecidas – o que é impressionante apenas para outros guitarristas."


Fonte: Guitar Player (Brasil) - Julho de 2009

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