2 de março de 2022

"Precisamos falar sobre John" - Março de 2022


CLASSIC ROCK: "PRECISAMOS FALAR SOBRE JOHN" - A VERDADE SOBRE A REUNIÃO MAIS SURPREENDENTE DESTE ANO! 


Com o guitarrista "entra e sai" John Frusciante e o produtor "toque de midas" Rick Rubin de volta para seu novo album, os Red Hot Chili Peppers acreditam que eles redescobriram a sua veia mais quente. 

Era quase o final de 2019 quando a conversa aconteceu. O baixista do Red Hot Chili Peppers Flea estava em casa com seu ex-companheiro de banda John Frusciante, o prodígio-filho guitarrista que havia deixado a banda a 10 anos atrás pela segunda vez. A saída de Frusciante foi dolorosa, claro, mas realmente necessária para os dois e ambos haviam mantido algum contato esporádico.


“Estávamos apenas falando merda, conversando, comendo”, Flea conta sobre aquela noite. “Nós nunca realmente conversamos sobre a separação. Em um determinado momento, minha esposa e a namorada dele estavam em outro quarto e nós estávamos sozinhos então eu disse: ‘John, às vezes eu sinto muita falta de tocar com você’. E eu comecei a chorar quando eu disse isso...”.

“...Então ele olhou para mim e eu vi as lágrimas nos olhos dele,” ele continua. “E ele disse: ‘Eu também sinto falta’. Teve apenas este momento, mas, neste momento eu me lembro de ter pensado ‘Cara... quem sabe...”.

Aquele momento foi o ponto da virada. Pelo final do ano, Frusciante – o guitarrista que tocou nos discos de maior sucesso dos Chili Peppers – era um membro da banda pela terceira vez, substituindo seu substituto, Josh Klinghoffer.


O retorno de Frusciante é mais do que a última reviravolta em um, as vezes, inflamável drama musical que já tem quase 40 anos. É a restauração de uma fórmula química finamente balanceada que alimenta uma das bandas de rock mais bem sucedida, inovadora e às vezes mal-entendida. Os Red Hot Chili Peppers fez grandes álbuns sem John Frusciante na banda mas, fizeram seus melhores álbuns com ele.
“Se um membro da família perdido a tempos volta e diz: ‘Hey, eu quero voltar à família”, você fica sem opções.” diz o frontman Anthony Kiedis. “Você não pode dizer não”.

Estamos no início de 2022 e o reconstituído Red Hot Chili Peppers estão se preparando para lançar seu vigésimo álbum, Unlimited Love. É um título bem Chili Peppers, parcialmente por que exala exatamente o tipo de vibe que eles sempre cultivaram e, parcialmente por que parece ser uma referência ao Love Unlimited, antigos backing vocals da “alma titânica” Barry White nos anos 1970.

“Não é”, Kiedis diz naturalmente sobre a última. Ele diz ser parte da letra de uma música nova “She’s a Lover”, que o produtor de Unlimited Love e antigo colaborador Rick Rubin escolheu. “Eu tentei lutar contra isso – ‘Eu meio que gosto destes outros títulos que eu tenho’, ele diz, “Mas foi escolhido pela voto da maioria. Tudo bem, eu tenho fé no grupo”.


Unlimited Love é um grande álbum de uma banda cuja grandeza contínua nem sempre é bem apreciada. Claro, os Chili Peppers tem sido massivamente populares pelos últimos 30 anos: Blood Sugar Sex Magik de 1991 e Californication de 1999 venderam 15 milhões de cópias cada e músicas como "Give it Away", "Scar Tissue" e a meia culpa junkie de Kiedis "Under the Bridge" estão entranhadas no DNS do rock moderno. Mas para alguns, existe uma parte dos Chili Peppers que terão meias esportivas penduradas em seus pintos ou, estarem escrevendo no deserto pintados com tinta prata.

Na realidade, os Red Hot Chili Peppers ficaram melhores e certamente, mais interessantes com a idade. O modo punk alimentado pela corrente funk dos seus primeiros álbuns era excitante e uma quebra das regras (nenhuma outra banda soava como eles quando começaram em 1983 mas, um série delas o fez até o final daquela década). Mas a música que eles fizeram neste milênio tem sido complexa e única, abrangendo várias linhas entre rock, funk, pop, psicodelia e diversos outros estilos e sons. Nenhum dos Chili Peppers é preguiçoso musicalmente, mas com o Frusciante eles tiveram o um dos melhores e mais inovador guitarrista dos últimos 30 anos.

“Eu nunca encontrei ninguém como John”, diz o baterista e residente “roqueiro clássico” Chad Smith que, como o Frusciante, se juntou aos Chilis para gravar o álbum Mother’s Milk de 1989. “Ele é uma pessoa dedicada. Está cem por cento em qualquer coisa que esteja fazendo. É contagiante. Faz você querer fazer o seu melhor também”.



O que Flea não sabia quando ele e Frusciante tiveram seu pequeno momento juntos na casa do baixista é que ele não era o único imaginando como seria se tocassem junto novamente. A banda havia iniciado a composição de músicas para o novo álbum com Josh Klinghoffer mas, Kiedis sentiu que algo não estava certo. “Senti que havíamos perdido um pouco daquele 'olho do tigre' quando chegamos na urgência de fazer músicas e alinhar nossos corações”, ele diz. “Havíamos perdido alguns degraus”.

Na próxima vez em que Kiedis e Flea se encontraram, Kiedis estava pensando se era o momento de entrar em contato com o Frusciante.



“Flea, eu preciso te contar algo, e isto tem estado na minha mente”, ele disse ao baixista. 

“Não, não, eu tenho que te dizer algo que está na minha cabeça”, disse Flea. “É sobre o John...”.

[...]

Quando eu perguntei para o Frusciante por que ele saiu pela segunda vez ele hesita antes de responder. A resposta dele, quando veio, é honesta porém diplomática. Mas então durante a noite eu recebi um e-mail perguntando se ele poderia esclarecer alguns pontos.



Sua resposta seguinte foi longa e detalhada porém bem clara e, antes de qualquer coisa, ainda mais reveladora do que a resposta original. Nele, ele fala sobre como ele “se desestabilizou mentalmente durante os últimos anos de tour que fizemos”, parcialmente como um resultado, ele explica, do esforço em mixar o Stadium Arcadium. “Quando entramos em turnê, tínhamos acabado de masterizar no dia anterior e eu podia realmente ter descansado um pouco”.

Em outro ponto ele escreve sobre o interesse equivalente dele sobre o ocultismo. “Conforme a turnê seguiu, eu me aprofundei no ocultismo, o que se tornou uma maneira de escapar do modo de pensar da vida em turnê O ocultismo tende a exacerbar tudo o que você é e eu era uma bagunça não balanceada”.

Quando a turnê terminou, ele diz, ele entendeu que precisava “simplificar minha relação com a vida e a música. Meu ego se tornou algo muito grande além do o que eu expressava como um guitarrista”. Então ele passou a fazer e tocar música eletrônica, para um gerar um “novo começo”.

  

A impressão é de um homem que estava sentindo a pressão da responsabilidade – para com seus amigos de banda, com os fãs mas, principalmente, consigo mesmo. “Claro, haviam problemas interpessoais dentro do grupo”, ele conclui, “mas estes poderiam ter sido facilmente resolvidos, se não fosse pelo fato de eu estar completamente cansado e desbalanceado”.

O resto da banda não se mostrou surpresa quando ele informou que gostaria de sair.



“John estava muito certo de que não queria mais fazer isso”, conta Kiedis. “Então, quando ele contou para Flea e para mim, não houve aquele momento em que nós diríamos ‘ahh... para com isso, a gente consegue resolver isso’. Nós estávamos mais para ‘Nós entendemos, é óbvio que não é onde você quer estar’. Eu diria ‘alívio foi provavelmente a melhor palavra descritiva para todos nós, incluindo John”.

Apesar da luta árdua que eles enfrentaram para preencher a vaga do Frusciante nos primeiros momentos, os Chilis tinham um substituto pronto em Josh Klinghoffer. Quase duas décadas mais novo que o resto da banda, havia trabalhado como técnico de guitarra de John e tocou como um músico de apoio no Stadium Arcadium assim como, apareceu em vários álbuns solo lançados pelo Frusciante durante sua segunda passagem pela banda.



Os dois álbuns feitos com Josh Klinghoffer – I’m With You e The Getaway – mantiveram a veia criativa em alta. Mas quando começaram a trabalhar nos materiais para seu décimo primeiro álbum, algo parecia errado. As partes não estavam encaixando como deveriam. Foi quando Flea disse a Kiedis que ele havia conversado com Frusciante e, que ele achava que o guitarrista estava pronto para ser um Red Hot Chili Pepper mais uma vez.

“Eu tenho que te dizer algo que está na minha cabeça e é sobre John...”. A conversa entre ele e Kiedis que ocorreu no quase no final de 2019 foi o ponto de virada que traria os Chili Peppers para o lugar onde estão agora.

“Era apenas um momento bizarro no tempo onde John, que havia se divorciado dos Red Hot Chili Peppers por tanto tempo, isolado em algum lugar no seu próprio mundo estava tendo o mesmo pensamento que Flea e eu estávamos tendo, no mesmo momento” disse Kiedis.

  

“Não era algo completamente fácil – existia uma variedade de emoções envolvidas e uma montes de “bagagem histórica” para processar. Frusciante havia passado a última década fazendo música eletrônica. ‘Tudo o que eu queria era fazer música em máquinas onde eu pudesse fazer a coisa toda sozinho sem ter que passar por discussões com alguém’ ele diz. Ele ainda tocava guitarra, mas ele não havia escrito nenhuma música rock de verdade em anos e se perguntava se ainda conseguiria fazê-lo (acontece que ele podia: a primeira música que ele trouxe era o poderoso primeiro single de Unlimited Love, Black Summer).”

“Havia ainda a questão do Klinghoffer. Flea o convidou para sua casa para uma reunião da banda onde foi informado que Frusciante estava voltando. “Eu bati meu carro na garagem, eu estava tão assustado sobre isso” Flea conta sobre a reunião. “Veja, Josh é uma pessoa incrível. Ele foi útil para mim pessoalmente, como uma pessoa em quem eu podia contar quando estava sofrendo e chorando na estrada. Ele foi ótimo, ele contribuiu, ele é uma pessoa incrível. Mas nós tínhamos uma linguagem com John que havíamos desenvolvido quando éramos muito mais jovens”.

Klinghoffer depois revelou que sua demissão foi “como a morte” apesar de parecer que não há nenhuma mágoa remanescente. Kiedis tem falado com ele desde a sua saída e Klinghoffer toca com Chad Smith na banda solo do Eddie Vedder. Ele também toca com o Pearl Jam (“Uma banda que ele amava mais que tudo” de acordo com Kiedis) como guitarrista de turnê.



Ainda assim em última análise, era algo que não precisava se pensar muito à respeito e as coisas se moveram rápido. Frusciante levou algumas semanas para pensar se ele realmente gostaria de fazer isso, decidiu que queria, e então lá estava ele (apesar de existirem algumas condições que ele não divulgará). Ele conta que eles se reencontraram musicalmente tocando/improvisando com as músicas antigas dos Chili Peppers de antes da entrada dele e de Chad na banda. Eles também conta que fizeram covers de alguns blues antigos de Freddie King e John Mayall, e músicas clássicas dos The Kinks, the Beach Boys, até dos Bee Gees. “Eu não achava que seria bom, após dez anos sem tocarmos juntos, ir direto escrevendo a frio”, diz Frusciante.

A pandemia se provou frutífera, permitindo a banda mais tempo e privacidade que o normal para trabalhar em Unlimited Love com o produtor Rick Rubin, que ele mesmo estava retornando ao time RHCP depois de ter ficado de fora em The Getaway. Como todos os seus melhores álbuns, o resultado é reconhecível como um álbum dos Chili Peppers sem soar como nenhum outro álbum dos Chili Peppers feito antes. Até mesmo – especialmente – os que fizeram com Frusciante.

  

"John é o melhor músico com quem eu já toquei”, diz Flea. “Em tudo desde os pequenos detalhes até a visão global. Seu relacionamento com a música é tão puro e possui tanta integridade e conhecimento e trabalho e prática. Toda nota que ele toca nasce deste imenso coração. É tão lindo”.

Você fala isso para ele?

“Nem fodendo” Flea bufa. “Eu não falo isso para ele!”.



Então aqui estamos de novo. O complexo e perpétuo sistema que é o Red Hot Chili Peppers está em movimento mais uma vez. Como em 1999, sentimos completos mais uma vez. Mas claro, existe um elefante no quarto. Frusciante deixou a banda duas vezes antes. Parece um pouco de grosseria de levantar o assunto, mas, precisa ser perguntado: eles estão preocupados se ele poderia fazer isso uma terceira vez?

Não, diz Kiedis, honestamente não é algo que passou pela minha cabeça. Não, diz Flea, eles estão vivendo o momento, as coisas estão ótimas, por que eles considerariam isso? Mais uma vez, Frusciante toma seu tempo para responder à pergunta, depois novos e-mails e novas respostas pensativas.



“Não existe uma maneira de enxergar o futuro”, ele diz, antes de explicar que ninguém pediu nenhum tipo de garantia em nenhum das vezes em que ele retornou. Claro, ele comenta, se as coisas se tornarem “tóxicas e pouco saudáveis e que não exista uma maneira concebível de resolvê-las” então ele provavelmente sairia – ninguém quer fazer os outros fazerem algo que não queriam. Então ele chega no ponto sobre o relacionamento, não só entre os Chilis e Frusciante, mas, também sobre os Chilis e entre cada um deles.

“A beleza de tocar com esta banda é que nós realmente amamos nos ouvir”, diz Frusciante. “Eu amo ouvir a maneira como eles me fazem soar. Nós temos um efeito químico entre nós. Trazemos para fora coisas de cada um de nós que não podemos trazer sozinhos. A maneira como eu toco guitarra com eles é um estilo que eu não consigo tocar quando estou sozinho. A chance de fazer outro álbum como este significou tudo para mim. Estamos apenas todos felizes por isto estar ocorrendo agora. Nossos corações estão nisto e então nos parece correto”.



O RETORNO DE RICK RUBIN

“O sentimento na sala quando Flea, John e Chad tocam juntos é transcendental” conta Rick Rubin, o produtor de Unlimited Love, para a Classic Rock sobre a banda com quem trabalhou, dentro e fora (maior parte das vezes dentro), desde 1991. “Então, quando Anthony canta eles se tornam os Chili Peppers. As altas musicais que eles são capazes de canalizar em uma base regular é, em outras palavras, um caso genuíno de ingredientes batendo em algo muito maior que a soma das suas partes. E as partes são as melhores que conseguimos”.

John Frusciante não é a única pessoa que retornou aos Chili Peppers para Unlimited Love. A outra é Rubin, que cedeu a produção para Danger Mouse no álbum anterior de 2016, The Getaway, muito pelo pedido do então guitarrista Josh Klinghoffer.

“Rick é um membro da família”, diz Anthony Kiedis. “Eu não sabia o quanto eu sentiria falta dele até o dia em que decidimos fazer um álbum sem ele. Como uma força energética, como uma força dinâmica e como uma força misteriosa, sua ausência foi sentida”.



Rubin era bem sucedido antes de se ligar aos Chilis, tendo trabalhando com pessoas como Run DMC, Slayer, The Cult e, mais notavelmente, os Beastie Boys, que venderam mais de 10 milhões de cópias do seu primeiro album Licensed to Ill. Mas Blood Sugar Sex Magik foi um experiência mutuamente benéfica, chutando a carreira dos Chili Peppers para a estratosfera e estabelecendo Rubin como um dos gurus sônicos da era moderna.

“Ninguém é capaz de ouvir da mesma maneira que ele consegue ouvir”, diz Kiedis. “Ele sentou lá e deixou a gente tocar toda aquela música, e ele ouviu e ele sorriu e ele deus umas voltas. Era tipo: ‘Okay, estamos de volta. Agora nós temos a força de Rick Rubin no nosso time’”.


Tradução: Claudio Sampaio
Fonte: Classic Rock - Março de 2022

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