20 de julho de 2016

John Frusciante está construindo algo melhor que o mundo real - Abril de 2016


JOHN FRUSCIANTE ESTÁ CONSTRUINDO ALGO MELHOR QUE O MUNDO REAL

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John Frusciante está tendo um dia ruim. Ele praticamente afirma isso quando repele a primeira pergunta que lhe faço pelo telefone "O que você esteve fazendo hoje?" com um gemido "Eu não vou falar sobre isso". Gaguejando, eu explico que a pergunta era apenas para "quebrar o gelo", uma maneira fácil de soltar o clima antes de submergirmos nas águas geladas do seu último lançamento de eletrônica, um EP pelo selo Acid Test de Los Angeles chamado Foregrow. "Não é fácil", diz Frusciante, "não é algo que eu queira falar para o público".

Através dos anos, o ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers experimentou coisas que ninguém deveria vivenciar sob os olhares da sociedade inteira. Após entrar na banda em 1988, ele deixou o grupo no meio de uma turnê do álbum esmagador de 1991, Blood Sugar Sex Magik, sobrecarregado pela experiência da repentina ascensão à fama. Ele se afundou em um período de vício em drogas e doença mental, batalhas mostradas em um documentário por Johnny Depp e em entrevistas publicadas nacionalmente (em um artigo de 1996 de um jornal do Arizona, ele termina com: "Eu não ligo se eu vivo ou morro"). Ele perdeu um amigo, o amado ator River Phoenix, para uma overdose de drogas do lado de fora de um show que Frusciante tocou no Viper Room, em Los Angeles, em 1993. De acordo com a autobiografia do antigo colega de banda Anthony Kiedis, ele finalmente abandonou as drogas em 1997, após entrar na reabilitação. Mas mesmo durante os últimos cinco anos, durante os quais ele esteve relativamente quieto, ele lutou contra perseguidores no tribunal, e está atualmente no meio de um caso de divórcio que tornou-se público após o TMZ descobrir registros de tribunal sugerindo que sua ex-esposa Nicole Turley está pedindo dezenas de milhares de dólares - mensalmente - de pensão.

Perdido por trás de todo o drama dos tabloides, está o trabalho solo verdadeiramente singular que ele fez durante seu tempo fora da banda que o tornou famoso. (Frusciante juntou-se novamente ao Red Hot Chili Peppers para outro dos seus períodos de maior sucesso de 1998 até 2009, mas saiu mais uma vez quando seus "interesses musicais [o conduziram] a uma direção diferente"). Com os anos, ele brincou com música ambiente distendida, guitarra pop jovial, estranhos projetos caseiros, acid house, e agora seus experimentos eletrônicos amplamente inclassificáveis - parecendo seguir todas as suas fantasias muito além do seu fim lógico, e sem nenhum público específico em mente. Foregrow, que ele lançou no Dia da Loja da Disco, é composto de confusas programações de drum machines, maravilhosos padrões de frases de sintetizadores, e uma balada vocal cuja letra ele descreve como uma "vívida memória pré-vida." Em sua sedutora estranheza, se assemelha a uma atraente conversa por trás de um espelho falso; ele consegue enxergar através, mas até seus fãs mais devotos terão que se esforçar para ver além do reflexo.

Após esforçar-se além das (não) gentilezas, o que Frusciante irá falar - excitadamente - é sobre a agitada música que ele esteve fazendo desde que mergulhou de cabeça no mundo da programação eletrônica analógica há quase uma década. Sua abordagem sobre lançar esses trabalhos é casual - a atraente bomba de fractais de acid house de 2015 Trickfinger na verdade foi gravado em 2007, e o recém-lançado Foregrow foi gravado em 2009 - mas ele trabalha com eles como parte da sua rotina diária, em casa, longe do resto do mundo. Em conversas, é provável ele escapar à tangente e falar sobre programar sintetizadores modulares, ou dos desafios específicos de trabalhar na mesma sala com alguém tão meticuloso como ele (recentemente, ele está falando de Aaron Funk do Venetian Snares, com quem ele tem um projeto chamado Speed Dealer Moms). Ou ele irá se deixar levar falando sobre as progressões de acordes de canções dos Beatles ou do Genesis. Ou, como ele fez no meu caso, simplesmente desistir de falar.

Nossa primeira entrevista numa tarde do meio de abril foi interrompida após apenas dez minutos, quando Frusciante se sentiu incapaz de expressar-se de maneira apropriada, distraído com o que quer que tenha ocupado sua manhã no dia em que eu liguei. Mas dois dias depois, ele voltou, oferecendo meditações sobre a maneira como sua obsessão em fazer música interage com sua vida, tanto em seus bons como seus maus momentos. Leia nossas conversas editadas abaixo:

THUMP: Eu li que Foregrow foi feito em 2009. Você tem muito material que está simplesmente guardado?

John Frusciante: Ultimamente eu tenho feito muita coisa assim. Eu estava fazendo músicas [em 2008 e 2009] sem a intenção de lançar. É uma maneira de pensar que eu acho realmente valiosa quando se quer aprender, sem ter a consciência de saber que vai ser para as outras pessoas - quando é só pra você e seus amigos.

Mas ultimamente, nos últimos quatro ou cinco meses, eu comecei a fazer um material que eu enxergo como relacionado conceitualmente - e aí até as músicas que eu estava fazendo em 2014 acabaram sendo relacionadas conceitualmente. O que eu tenho feito nos últimos anos foi inesperado e revelou-se para mim ao invés de eu tentar conseguir alguma coisa.

Então você está dizendo que esse lançamento e o Trickfinger de 2015 não foram feitos para serem consumidos pelo público?

Sim, não mesmo. Eles eram especificamente para aprender. Quando uma banda vai ao estúdio fazer um disco, há uma pressão ao redor e a consciência do fato que você está fazendo aquilo para um público específico. Quando você elimina isso da equação, você se encontra sendo mais aventureiro. Muitas vezes é dessa forma para músicos antes de ficarem famosos; é aí que muito do crescimento acontece.

Existe alguma coisa específica que você estava escutando ou pensando enquanto fazia esse material novo? É até estranho falar sobre o Foregrow porque ele provavelmente não é de onde a sua cabeça está hoje em dia.

É... eu consigo. Na verdade, eu me sinto bem desconfortável em conversar... Quer saber? Me desculpe. Isso não tem nada a ver com você, eu só não estou com uma cabeça boa hoje e eu estou vendo que essa entrevista não vai sair boa então eu vou ter que desistir dela.

Tem certeza? Você pode levar essa conversa do jeito que você quiser.

Eu estava com a cabeça muito ruim antes dessa entrevista e estava me perguntando se eu devia ou não fazê-la e eu não queria cancelá-la tão tarde. Mas eu tive uma manhã difícil. Eu realmente não estou em nenhum estado pra dar uma entrevista.

Me desculpe se alguma coisa que eu fiz lhe fez se sentir pior.

Não. [Não foi] absolutamente nada que você estava fazendo. Eu estou com a cabeça em outras coisas agora. Eu pensei que talvez a entrevista fosse me distrair de... para ser honesto com você, sua primeira pergunta, o que eu estava fazendo antes de você ligar - eu estava lendo um livro, um livro de 900 páginas que estou na metade e que estou obcecado. E eu estava lendo o mesmo parágrafo diversas vezes. Meu cérebro não vai conseguir se concentrar no momento porque estou distraído com outras coisas.

[No dia seguinte, um representante do selo me mandou um e-mail às sete da noite para me dizer que John gostaria de falar comigo de novo, mas que tinha que ser agora. Uma busca apressada no Google não resultou em nenhuma informação relevante sobre o que poderia estar acontecendo na vida pessoal do John, mas uma busca nos registros da vara de família de Los Angeles sugere que há outra audiência do seu divórcio em andamento planejada para esse mês. Dito isso, John nunca me confirmou se era isso que estava ocupando sua mente. Eu lhe ligo mais uma vez.]

Como você está? Está se sentindo melhor?

Sim, eu me sinto bem hoje.

Você pode falar sobre o que estava pesando em sua mente?

[Risos] Eu não dou entrevistas sobre minha vida pessoal, sabe?

Talvez essa seja outra maneira de falar sobre isso: sua música sempre pareceu ser essa sublimação do que está se passando na sua vida no momento. Isso é uma caracterização justa?

Eu deixei de compor canções da maneira tradicional há muito tempo. Nessa época, talvez as letras fossem um vislumbre do que estava se passando na minha mente. Mas sobre o que eu faço com música eletrônica, é simplesmente uma parte natural da minha existência. Tenho certeza que reflete minha vida, tenho certeza que reflete as coisas que eu estou pensando, mas muito dessas coisas são tipo... números.

Eu tenho pensamentos que são completamente musicais. Eles consomem muito do meu cérebro. Eu acho que muitas vezes na minha música, estou tentando preencher os vazios que eu vejo nas músicas que as outras pessoas fazem. Como eu sou um amante de todos os tipos de música de todas as épocas diferentes da história, eu enxergo boas ideias musicais em que na minha mente há muita coisa a se fazer antes delas serem completamente exploradas. Eu tento preencher esses buracos várias vezes, preencher esses vazios.

É por isso que, por exemplo, você estava fazendo acid house em 2007?

Bem, aquilo foi só pra aprender o vocabulário, sabe? Quando você toca guitarra, você está fazendo uma única coisa o tempo todo, mas quando eu estava fazendo aquele acid house, eu estava tocando 15 máquinas ao mesmo tempo; você tem que se acostumar com ter um monte de coisas na cabeça ao mesmo tempo. Muitos dos meus heróis na música eletrônica, como Aphex Twin e Squarepusher - assim foi o começo deles, então eu pensei que se eu vou passar o resto da minha vida sendo um compositor no sentido moderno, então eu precisava aprender como começar tudo aquilo.

O desejo de aprender essas novas formas é uma grande parte do seu impulso de fazer música atualmente?

Estou constantemente tentando entender mais e constantemente tentando dificultar as coisas pra mim mesmo, para criar desafios. Eu faço essa coisa em que eu começo a construir uma música e então eu a destruo [para que] eu tenha o desafio de reconstruí-la de um jeito novo. É uma das grandes coisas da música eletrônica em comparação à musicalidade tradicional: você se torna capaz de ir e voltar com as máquinas. Você não sabe exatamente para onde está indo.

Nesse sentido, fazer música eletrônica é seu modo de escapar?

Escapar de quê?

De estar sempre dentro da sua cabeça. Das coisas mundanas da vida...

Não existe muito de uma pessoa em mim. Nunca houve. Eu me imagino como um tipo de não-pessoa. Olhando pra minha vida, eu quase sempre estive em casa com a arte e a criatividade. Da perspectiva de outra pessoa pode parecer egoísmo ou que eu esteja tentando escapar do mundo real, mas pra mim, o mundo da arte e da música é o mundo real e o resto é um lugar que eu não entendo de verdade.

Sempre foi assim?

Quando criança, com uns 11 anos, eu comecei a achar que estava enlouquecendo. Eu comecei a achar que eu seria alguém que acabaria assassinando uma pessoa sem ter a habilidade de impedir a mim mesmo. Minhas interações com seres humanos eram tão difíceis que estava começando a me parecer que eu estava perdendo o controle da minha mente. E foi aí que eu comecei a tocar guitarra. Eu passei a ser um cara que gostava estritamente de punk rock para alguém que amava a música dos anos 60 e todos aqueles ideais. Então eu não conseguia mais me imaginar matando alguém ou nada desse tipo.

Era isso que estava acontecendo dentro de mim. Era isso que o mundo estava criando dentro de mim sem aquele recurso de criação. Eu consigo liberar muita coisa ao fazer música que eu acho que a única outra maneira de liberar seria fazendo coisas que são destrutivas para outras pessoas ou destrutivas para mim. Definitivamente existe uma parte de mim que precisa ser deixada sozinha e escondida do resto do mundo.

Então a música tornou-se uma estrutura para que você interagisse com o mundo.

Não apenas isso, mas o fato de que eu tive muita sorte com as pessoas do negócio que estiveram comigo durante minha carreira me libertou de ter que pensar nos aspectos mundanos da vida. Nesse ponto da minha vida, pelos últimos 8 anos ou mais, por causa de todo o trabalho duro que eu fiz e que eles fizeram, eu sou geralmente uma pessoa que consegue decidir o que quer passar o dia fazendo, todos os dias.

Eu realmente não acho que eu viva no mundo real que muitas pessoas vivem. Eu entrei na indústria da música aos 18 anos, e eu nunca tive que trabalhar a não ser colhendo ervas para o meu avô, varrendo as pedras da garagem, alimentando os cavalos e coisas assim. Esse foi o único emprego que eu tive na minha vida antes de estar no Red Hot Chili Peppers. O que seria uma fuga para outras pessoas é simplesmente o meu habitat natural.

Existe alguma coisa na música eletrônica que fez dela especialmente absorvedora nesse sentido? Tem sido sua principal fonte de auto expressão pela maior parte de uma década recentemente.

É difícil explicar para pessoas que não sejam elas mesmas musicistas devotadas. Esteja eu praticando acompanhando algum disco, ou fazendo minha própria música, eu tenho a sensação de estar entrando em alguma coisa do mesmo jeito que se entra numa casa e se separa do mundo. Eu percebo isso especialmente usando coisas como o sintetizador modular ou o Elektron Monomachine ou o Roland MC-202. Quando estou fazendo música, eu deixo de existir, mas também o mundo lá fora deixa de existir e eu estou num mundo que eu criei.


Tradução: Pedro Tavares
Fonte: Thump - 28 de abril de 2016

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