20 de julho de 2016

Prenda seus ídolos - Maio de 2016


PRENDA SEUS ÍDOLOS: John Frusciante sobre a fama, free jazz e a genialidade de Public Enemy

Jerry Judelson foi um estagiário de marketing na agência de comunicação Mass Appeal quando teve a oportunidade de entrevistar seu ídolo, sem saber onde sua relação com o músico recluso iria dar. Um ano depois, ele compartilha suas raras conversas com o tímido deus da guitarra convertido em empunhador de sintetizadores, abrangindo o hip hop, Ornette Coleman, e por que ele pode nunca mais tocar ao vivo.

John Frusciante passou por muitas evoluções em sua carreira. Ele entrou para sua banda favorita, os Red Hot Chili Peppers, como guitarrista em 1988 aos dezessete anos. Ele passou os próximos vinte anos entrando e saindo da banda, experimentando todos os altos inimagináveis e os baixos perturbadores que o estrelato do rock and roll tem a oferecer. Através disso tudo, ele permaneceu um produtivo artista solo, com seus álbuns partindo desde os experimentos em quatro pistas devastados pelas drogas de Niandra LaDes and Usually Just a T-Shirt (1994) ao xamanismo folk-rock acústico de Curtains (2005) e a envolvente obra-prima de estúdio The Empyrean (2009).

Após deixar os Chili Peppers pela última vez em 2007, seus trabalhos solos começaram a abranger estilos completamente novos: electro-pop experimental, acid house, uma fusão de jungle-rock atonal, e hip-hop old school. Seu último lançamento, o EP The Foregrow, lançado mês passado pelo Acid Test, é uma seleção de faixas criadas durante 2009 e 2010, um período em que Frusciante tinha apenas começado a usar o DAW Renoise para gravar e editar suas loucas jornadas com sintetizadores. Para quem já é fã de suas criações modulares, é um disco que vai encantar e deliciar. Para qualquer outro, bem vindo ao mundo de Frusciante.

A primeira vez que eu escutei uma música de seu catálogo solo foi em 2010. Era um lindo e calmo domingo durante as férias do Dia de Ação de Graças e eu estava em casa durante meu primeiro ano na Wesleyan University. Era meio da tarde e eu estava fumando um baseado no dormitório do meu amigo na Columbia. Nós achamos que seria engraçado irmos chapados até o Planetário Hayden. Ele colocou no som o Shadows Collide With People, o disco solo de Frusciante de 2004. Olhando para trás, após escutá-lo centenas de vezes, eu ainda lembro da força que me invadiu quando a primeira música do disco, "Carvel", com o clique quase inaudível do chimbal, mergulhou de cabeça num hino do rock and roll incomparável e desprovido de ego. Foi algo espiritual e visceral diferente de tudo que eu já tinha escutado. Cada faixa me levava cada vez mais fundo dentro daquele mundo de brilhantes paisagens sonoras e esqueletos de canções pop.

Na época, eu estava lutando na universidade contra um triunvirato em saúde mental de ansiedade, compulsões, e depressão. E ainda que essa primeira escutada ao Shadows tenha sido a respirada que eu precisava, ela não durou muito. Eu voltei a Connecticut para a segunda metade do semestre e um inverno amargo me jogou num buraco escuro. Eu não saia muito do meu quarto além de ir para a aula. Eu passava horas gritando em travesseiros e aprendi como fumar maconha de verdade. Durante esse tempo, por razões que apenas há pouco tempo eu comecei a entender, Frusciante tornou-se importante para mim. Eu fiz dele o meu ídolo, uma lenda, mas também um amigo de confiança. Sua história tornou-se minha paixão - o rockstar que tornou-se o autor recluso, o viciado que tornou-se espiritualista, o guitarrista que tornou-se eletrônico. Nenhum número de entrevistas no YouTube conseguia saciar minha adoração. É algo esquisito quando você venera uma pessoa pública - você sente que a conhece, no entanto o atrativo de toda essa troca é que você nunca a conhece de verdade. Elas nunca podem ser realmente suas amigas.

Eu me formei na universidade em 2014, o mesmo ano em que Frusciante começou a lançar hip-hop com os Black Knights, um duo de rap associado ao Wu Tang que ele tinha conhecido através de RZA. Em 2015, eu estava estagiando na agência de comunicação "Mass Appeal" quando o segundo álbum da colaboração foi anunciado. Meu estágio era em marketing, e embora eu não quisesse necessariamente ser um jornalista de música, eu não estava descartando a opção. Quando eu lancei ao editor a proposta de um review sobre o LP ainda a ser lançado, The Almighty, ele sugeriu que eu tentasse uma entrevista. Eu contatei o Black Knights, que atendem aos nomes de Rugged Monk e Crisis the Sharpshooter. Eles concordaram em um telefonema e eu reuni coragem para perguntar se John poderia se juntar. "eu tenho certeza que ele não está fazendo nenhuma parada de mídia," Crisis respondeu.

Eu tentei tranquilizá-lo. "Se ele está um pouco com medo de que será outra entrevista como a do Heavyweights Radio onde eu não sei nada sobre ele, você pode garantir a ele que esse não vai ser o caso. Nenhuma pergunta sobre os Chili Peppers".

Ele respondeu: "Ele é bem particular. Não temos vergonha de perguntar a ele mas ele não tem vergonha de dizer não".

Eu sabia disso. Eu me sentia culpado pela expectativa de tentar impor algo a ele, e egoísta, por tentar falar com ele. Eu me sentia desqualificado até para pedir. Ainda assim, eu já tinha pedido. Não parecia ser realista ele dizer sim - se eu conseguisse isso, então por que ninguém mais conseguiria? Apesar de minhas dúvidas, deu certo. Eu fui contatado por alguém do seu selo, e dois dias depois, John e eu iríamos conversar pelo telefone.

"QUANDO EU ESCUTEI O SEGUNDO DISCO DO PUBLIC ENEMY, A PRODUÇÃO DELE ME IMPRESSIONOU"

Eu passei os próximos dois dias constantemente me perguntando: "O que porra eu estou fazendo?" Aquilo tudo era perfeito demais, e me assustou. Mas eu me preparei bem. Eu retornei a todas as entrevistas antigas, e as novas. Eu perguntei ao meu amigo do planetário Jacob quais perguntas ele faria. Eu não conseguia me impedir de enxergar esse momento como decisivo, um tipo de realização narrativa no arco da minha relação com John e sua música. O que essa coisa iria significar para mim? Era o fim da história ou o começo? Como eu faço pra que ele saiba o que sua música significou pra mim?

Quando chegou a hora de ligar para ele, eu respirei fundo e disquei. Eu me sentia como um vigarista até o momento que ele atendeu.

"Aqui é o John". Foi esquisito escutar a voz falando comigo, a mesma voz que eu tinha passado milhares de horas escutando. Passamos duas horas falando, e já que o contexto da entrevista era seu novo álbum, eu comecei perguntando como ele tinha entrado no hip-hop.

"Inicialmente eu não estava interessado em hip-hop, porque eu era um garoto interessado em aprender a tocar guitarra e admirar bateristas, e drum machines simplesmente não me pareciam tão expressivas como bateristas de verdade", ele lembrou. "Então eu escutei o segundo disco do Public Enemy, e a produção dele me impressionou. Eu não fazia ideia que sampling e drum machines poderiam ser tão expressivas. O que Hank Shocklee estava fazendo ali era tão extraordinário de um ponto de vista musical, criando essa colagem de tantas coisas diferentes e transformando pequenos pedaços de música em uma obra de arte".

Primeiro, ele ficou "intrigado" com como a música passava a existir, mas com os anos ele começou a entender os aspectos técnicos de sampleamento e descobrir as capacidades expressivas que isso possui. Sua primeira incursão ao sampleamento foi "Sect in Sgt", uma síntese de 15 minutos de breakbeats, samples de rock clássico e musique concréte. Ele ouviu a canção inteira durante um sonho e tentou replicá-la com precisão. Achar seu caminho para dentro da música baseada em samples o fez perceber que ele poderia tentar fazer hip-hop também, como ele fez num trio de álbuns com o duo de rap associado com o Wu Tang, o Black Knights.

"Música como Autechre, Venetian Snares, Aphex e Squarepusher, é uma extensão do que Hank Shocklee esteve fazendo com Public Enemy", ele explicou. "Essa música parecia simplesmente sair do ar através de mágica ou algo assim". (Sua crença em uma fonte quase mística de criatividade humana foi mencionada em conversas várias vezes.)

Conversando sobre o Black Knights, ele parecia nervoso em dizer a coisa certa, e admitiu abertamente que sua parceria com Rugged Monk e Crisis foi um encontro incomum. "Existem várias coisas em cada um que nós nunca iremos entender. Em várias maneiras eu acho que sou um mistério para eles, e eles certamente são um mistério para mim". Não houve dúvidas no estúdio, no entanto - os rappers o confiaram com toda a parte da música, e ele confiou neles com todas as rimas.

"MÚSICA COMO AUTECHRE E VENETIAN SNARES É UMA EXTENSÃO DO QUE HANK SHOCKLEE ESTEVE FAZENDO COM PUBLIC ENEMY"

"No mundo do rock, existem muitas segundas opiniões, pessoas sendo inseguras e pessoas contratando produtores para fazê-los serem melhores do que são. Monk e Crisis não precisam de nada desse tipo. Eles acreditaram no que tinham escrito e foram até o microfone e cantaram. Eu sempre tive esse mesmo tipo de confiança como um guitarrista". Ao reconhecer cada um como opostos, cada lado da relação tornou-se mais inteiro. "Eu sempre tive amizades assim", ele gaguejou, "onde tentamos encontrar uma paz ao discutir um com o outro. Não sobre música - nossos papéis aí são especificamente definidos - mas sobre a vida, a raça, política ou convenções sociais".

Após falar sobre hip-hop, eu mencionei seu interesse em free jazz - um gênero que pode ser visto como um projeto de liberação política e social, assim como musical. Frusciante tocou progressões de acorde ao estilo de Alice Coltrane e solos de guitarra ao estilo de Sonny Sharrock no EP Outsides, e até tem uma tatuagem da capa do disco do mago do free jazz Ornette Coleman, Dancing in Your Head. Coleman tinha morrido algumas semanas antes da nossa entrevista, então eu perguntei se ele tinha algumas palavras pra falar sobre ele.

Ele pausou. "Você está brincando. Eu não sabia disso!". Eu me desculpei por ser o portador das más notícias. Ele estava aturdido. "Caralho, eu sempre acabo descobrindo sobre as pessoas tipo duas semanas depois. Nossa, bem perto de Charlie Haden, também". Eu perguntei como a música deles o tinha influenciado mas ele estava sem palavras; a notícia tinha acertado-o como um caminhão. "Eu estou muito chocado com o Ornette. Posso ligar de volta?". Ele desligou.

Eu recebi a ligação de volta no outro dia. Ele começou dizendo que não queria falar sobre Coleman, mas apenas alguns minutos passaram antes que ele retornasse ao assunto naturalmente. "Para mim como músico, o importante é aproveitar o máximo possível da história", ele disse. "Coleman encontrou a liberdade porque ele entendia a tradição, e ele cresceu e aprendeu e ensinou sua vida inteira porque ele tinha isso. Ele era uma pessoa gentil, uma pessoa humilde, e uma pessoa tímida e suave. Como músico, ele parecia ser um tipo de anarquista ou algo assim, mas a razão dele ter sido capaz de progredir através de sua vida inteira e ser tão bom quando tinha oitenta anos do mesmo jeito que quando tinha trinta é que ele nunca parou de se educar".

"Músicos nunca devem parar de estudar", ele continuou. "Você só vai conseguir ganhar dinheiro se tocar material original. Isso dá uma ideia bem estranha na cabeça dos músicos, e parece que no hip-hop especialmente, não há o entendimento desse tipo de aprendizado - esse tipo de aprendizado que todo músico de jazz tem que ter, que todo músico de folk tem que ter, que todo músico de rock tem que ter quando está começando, que é passar anos tocando a música dos outros. E com o rap, com meus amigos, eles estavam escutando um CD do The Chronic ou 36 Chambers, e quando eu estou tocando guitarra junto com eles e Monk está rimando junto, quando nós fizemos isso juntos era como se estivéssemos aprendendo juntos. Era como se o professor estivesse falando pelos alto-falantes e nós fossemos os estudantes".

Ao final da nossa segunda ligação, tudo que eu queria fazer era tocar junto com alguns dos discos de Frusciante.

"EU NÃO QUERO FAZER UM ESPETÁCULO DE MIM MESMO DA MANEIRA QUE EU FAZIA QUANDO ESTAVA NO RED HOT CHILI PEPPERS"

Por meses, eu ignorei a situação. Eu usei uma única citação numa matéria para a "Mass Appeal" e segui para fazer outra reportagem. De algum jeito, eu sentia que enquanto eu mantivesse a entrevista fora do olho do público, nossa relação era uma amizade autêntica ao invés de um compromisso profissional.

Menos de um ano depois, John anunciou ao mundo que estaria lançando o EP Foregrow. Eu me senti incapaz de ter seu número no meu celular e não usar. Sem pensar eu lhe enviei uma mensagem para saber se ele falaria comigo sobre o novo disco. Eu esperei um dia e ele concordou: "Claro".

Dessa vez as coisas se saíram mais naturalmente. Ele sabia que nossa última entrevista não tinha resultado em nada além de uma única citação. Ele pareceu meio confuso. Por que esse garoto teria feito uma entrevista de duas horas para apenas uma miserável citação?

Rumores diziam que o EP Foregrow era influenciado por John Carpenter e movimentos de dança. Acontece que era apenas para atrair nerds de música. Ele rapidamente afastou ambas declarações, me assegurando que quando o EP foi gravado em 2009, ele não tinha nem escutado as músicas de sintetizador do diretor de filmes de horror nem do estilo de dança de Chicago, embora desde então ele tenha se interessado no último. Esse incidente mostra como Frusciante adora se esconder em sua arte, particularmente sob seu novo aspecto. "Eu sempre fui muito cuidadoso em como incorporar a guitarra na música eletrônica. Eu não quero fazer um espetáculo de mim mesmo como guitarrista da maneira que eu fazia quando estava no Red Hot Chili Peppers. Eu quero estar dentro da música, e não do lado de fora para chamar sua atenção".

O EP saiu no selo Acid Test de LA, administrado por Oliver Bristow. "Ele escolheu as músicas, não eu," disse Frusciante. "As músicas no disco Trickfinger foram gravadas em 2007, embora no álbum diga que foi gravado em 2008 - aquilo foi um erro. E em 2009, após eu já ter começado a trabalhar com Aaron Funk [Venetian Snares], eu parei de gravar direto das máquinas para o mixer, depois um gravador de CD, e passei a gravar no computador pelo Renoise. Ainda usando minhas máquinas, mas o Renoise se tornou o gravador para que eu pudesse fazer overdubs e coisas como na segunda música, "Expre'act", onde o andamento está constantemente mudando. Isso é algo que eu estava doido pra fazer, porque é algo em que o Autechre fez coisas maravilhosas, e o Venetian Snares também. Isso é algo que você não pode fazer se está simplesmente sincronizando todas suas máquinas sem um relógio mestre vindo do computador".

Parecia que John havia preparado seus tópicos sobre o álbum, e ele foi bem direto, o que parecia esquisito. No fim da nossa entrevista ele pediu desculpas por ter bebido muito café. "O que também foi muito empolgante pra mim sobre ter um computador foi o fato de eu poder fazer o que equivale a editar, que é quando uma seção da música é totalmente diferente da próxima seção", ele continuou, cafeinado. "Eu sempre gostei no rock progressivo quando uma banda tipo Yes tem uma canção longa com várias seções que claramente não tinham sido feitas de uma vez só. Quando a atmosfera e o ambiente inteiro são completamente diferentes e são como canções diferentes. Eu estava tentando fazer essa mesma coisa dentro uma canção de seis ou sete minutos". Há uma falta de um bom rock progressivo hoje em dia, ele concordou, "e o que finge ser isso é besteira. Eu não considero como rock progressivo, é tudo idiotice de heavy metal ou o que seja".

Apesar de sua participação em uma das maiores bandas do mundo, ele é cauteloso ao descrever sua música recente como "um monte de solos de guitarra esquisitos anti-rockstar". Ele continua, "As improvisações de Kurt Cobain são solos bem impressionantes porque é mais sobre sua energia, seu relaxamento, sem tentar impressionar com dedos rápidos ou o que seja. Sem aderir a coisas como permanecer em uma nota só - só tocar a nota que você quiser. É assim que é na música eletrônica". O ideal anti-rockstar de Frusciante é uma rejeição do estilo altamente técnico de tocar guitarra que dominou as ondas aéreas nos anos 70 e 80. "É por isso que eu sempre fui muito cuidadoso ao incorporar guitarra na música eletrônica. Eu não queria fazer um espetáculo de mim mesmo como um guitarrista da mesma maneira que eu fazia quando estava no Red Hot Chili Peppers. Eu queria estar dentro da música, não do lado de fora para chamar sua atenção."

"OS MELHORES MÚSICOS MUITAS VEZES TEM QUE SE ESCONDER PARA SEREM ATRAENTES AO PÚBLICO. ERA NO QUE DAVID BOWIE ERA UM MESTRE"

Sua voz inconfundível lhe fez ter dificuldades similares. Quando mostrei aos meus amigos a música eletrônica de Frusciante, eles dificilmente acreditaram que era o cara dos Chili Peppers - até que ele começou a cantar. Seus backing vocals eram um componente essencial dos sucessos populares da banda; é difícil remover-se quando o mundo já escutou tanta coisa de você.

Numa postagem recente em seu website, ele escreveu sobre um conjunto de normas líricas que começaram a se amalgamar para ele em 1997 - uma filosofia que permitiria que ele escondesse sua individualidade, como ele explicou. "Eu estava vivendo na casa de uma mulher que era uma bruxa e uma ocultista, e ela me deu uma cópia do Book of Lies de Aleister Crawley. Eu estava lendo aquilo e eu também tinha o livro que a esposa do Ian Curtis escreveu [com as letras do Joy Division atrás] e vi uma conexão entre os dois, que era que a pessoa estava escondida, a personalidade estava oculta, e eles não iriam se dar ao trabalho de explicar o significado do que eles disseram. E ainda assim você sente que eles estão revelando mais de si mesmos do que estariam se estivessem cantando alguma balada romântica, sentimental ou algo assim".

O aspecto chamativo da sua fama enquanto no rock ainda parece pairar alto como um obstáculo percebido à criatividade de Frusciante. É claro, sempre foi. Nas velhas entrevistas que eu assisti tantas vezes, ele sempre rejeita que "a imagem é o que vale", a ideia do artista como um objeto, um culto da personalidade.

"Você não pode ser atraente às pessoas e ser sincero ao mesmo tempo. Muitas vezes os melhores músicos tem que se esconder para serem atraentes ao público. Era no que David Bowie era um mestre. Ele estava se escondendo o tempo todo. Ele sempre era entrevistado como um personagem, e ele estava escondido como uma pessoa dentro desse personagem. E eu acho que esse era a maneira correta de lidar com um mundo onde é entendido que se você quer o apoio de uma gravadora, você tem que se vender. Se você vai ser falso e você vai ser insincero, transforme isso em uma forma de arte! E foi isso que o Bowie fez. Mas nem todos tem esse talento".

Ele gosta da entrevista de 1971 de John Lennon para a Rolling Stone, em que ele repudia a mitologia dos Beatles, fala merda de seus ex-colegas de banda, e diz que seus fãs são um monte de burgueses hipócritas. Frusciante pode não ter o mesmo tom sarcástico e político de Lennon, mas ele quer falar com seus fãs de uma maneira semelhante, para dizer a eles que seu ídolo é uma miragem. Foi o que Frusciante quis dizer quando disse que "não faz mais música para o público" - ele não estava se referindo a indivíduos, mas o público de forma mais ampla, a força social monolítica que limita e define o que é arte popular. Ele desejava destruir essa influência.

A última pergunta que lhe fiz foi sobre a performance ao vivo - porque não era mais atraente para ele? Seu último show solo foi em 2005, mas de maneira egoísta, eu mantive esperança de um dia vê-lo tocar.

"A música vem de dentro do músico", ele respondeu, "e quando você está em turnê, você está ciente o tempo todo da impressão que você está passando às pessoas olhando pra você e ouvindo você. Lhe dá a sensação de ser um objeto. E eu acho que a maioria dos músicos estaria mentindo se dissessem que não enxergam, após fazer turnês por um longo tempo, o próprio público como um monte de objetos. Eles objetificam você, e você por sua vez objetifica eles. Eles respondem da mesma maneira para as mesmas coisas todas as noites. Eles parecem máquinas, a um certo ponto".

Não me surpreende que ele se sinta mais confortável fazendo música com máquinas, hoje em dia. As pessoas tentam desesperadamente não serem robóticas, e ainda assim quando são parte dessa multidão, é exatamente o que elas se tornam. A noite após a nossa segunda conversa, eu fechei meus olhos com Shadows estourando meus headphones e escutei um verso que nunca tinha feito muito sentido pra mim antes: "Omitir-me como um favor a Deus. Sofrer o destino porque é o único elevador que você tem". Eu percebi que, assim como a humildade de Ornette Coleman lhe permitiu ser um visionário, Frusciante tenta manter seu ego fora de sua arte, na esperança de ser um veículo para algo maior.


See in english: www.factmag.com/2016/05/14/john-frusciante-interview/

Tradução: Pedro Tavares
Fonte: Fact Magazine - 14 de maio de 2016

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