O Jornal Folha de São Paulo entrevistou John Frusciante em Los Angeles como parte da divulgação do álbum Stadium Arcadium, a entrevista foi publicada na edição de março de 2006.
01/03/2006
Red Hot volta mais picante em seu novo álbum
LÚCIO RIBEIROColunista da Folha de S.Paulo, em Los Angeles
Você pode imaginar o U2 fazendo música eletrônica (fez), o Green Day transformando o punk em ópera (transformou) ou a Ivete Sangalo cantando rock'n'roll em cima de um trio elétrico (cantou). Mas é bem difícil pensar no grupo funk-punk-rap-metal californiano Red Hot Chili Peppers lançando um disco, por exemplo, que não soe... Red Hot Chili Peppers.
Mas isso vai mudar em maio, quando chegar às lojas "Stadium Arcadium", novo CD dos Chili Peppers, o nono álbum de uma turbulenta carreira de mais de duas décadas.
O disco "Stadium Arcadium" pega a banda em uma fase "limpa, iluminada, vendo coisas que nunca pode ver antes", como definiu à Folha o guitarrista John Frusciante, 36 anos, em entrevista num luxuoso hotel da famosa Sunset Boulevard, que aconteceu logo depois de uma audição de 20 das 25 faixas que farão parte do próximo disco. "Stadium Arcadium" é um álbum duplo.
John Frusciante é o cara, neste novo e "diferente" disco do Red Hot Chili Peppers. É sua guitarra que leva "Stadium Arcadium" para longe de ser um mero disco dos Chili Peppers, com músicas ora melosas, ora rap metal comandadas pela voz de Anthony Kiedis e pelo baixo estourado de Flea.
Numa primeira ouvida, "Stadium Arcadium" mostra uma banda menos melosa que no disco anterior ("By the Way", 2002) e um Frusciante musicalmente solto, experimentando dentro do funk rock que é a marca indelével do grupo. Por mais estranho que isso possa soar a um admirador dos Chili Peppers, em muitas das faixas do disco duplo Frusciante vai com seu instrumento de Santana a Prince, passando por Jimi Hendrix e Kurt Cobain.
Quanto ao momento "iluminado" a que Frusciante se refere, o termo deve ser um sinalizador de que a banda está conseguindo se manter longe das drogas, um elemento tão presente no RHCP quanto o baixo de Flea e os shows em que tocaram pelados.
Se bem que o discurso "agora estamos limpos, entramos finalmente nos eixos, os anos passados foram muito conturbados" se segue a cada lançamento de um novo disco dos Chili Peppers.
De todo modo, não tem muito tempo, o vocalista Anthony Kiedis lançou em livro suas memórias ("Scar Tissue - A Vida Alucinada do Vocalista dos Red Hot Chili Peppers", Ediouro), em que publica, entre outras coisas, fotos da primeira vez que fumou maconha. Aos oito anos. Fotos essas que foram tiradas pelo pai, que forneceu a "marijuana" ao menino Kiedis. O pai de Kiedis, conta o livro, era traficante.
Já Frusciante teve refeita toda a parte superior de sua arcada dentária, que caiu podre por causa de uma fase quase sem volta no vício em heroína e outras drogas pesadas, no final dos anos 90.
Limpos
"Sim, estamos limpos. Não que tenhamos nos livrados totalmente de nossos demônios. Mas nossas vidas agora estão aparentemente sob controle", revelou o guitarrista, na entrevista que segue completa no texto abaixo.
"Stadium Arcadium", talvez outro indicador dessa fase "limpa", marca o terceiro álbum consecutivo dos Chili Peppers em que a banda repete a mesma formação, em 20 anos de carreira.
O fato coincide exatamente com a volta de Frusciante à banda, em 1999, para as gravações do CD "Californication", que foi sucedido por "By The Way" (2002).
O álbum novo, na cabeça de Kiedis, era para ser uma trilogia, sendo lançado o primeiro agora e os outros dois em um espaço de seis meses de diferença um do outro. A banda entrou no estúdio com 36 músicas prontas, mas até agora só 26 delas passaram pela aprovação final do grupo. Então a idéia imediata da trilogia foi abandonada, segundo Frusciante.
A proposta da banda passou a ser, então, lançar um álbum duplo com 25 músicas. E as restantes devem entrar como bônus na comercialização do disco no iTunes e em diferentes versões do CD lançado nos principais mercados fonográficos do mundo.
Amiguinha imaginária
"Stadium Arcadium" tem a produção assinada por Rick Rubin (System of a Down, Beastie Boys). O primeiro som a emergir do novo álbum dos Chili Peppers é "Dani California", música que será lançada em single no começo de abril, um mês antes do CD. Dani, a personagem da canção, é uma "amiguinha imaginária" de Anthony Kiedis, que já havia aparecido na letra da música "By the Way", sucesso do disco anterior, e da canção "Californication" (onde Dani é citada, mas não nominalmente).
"Dani California", a jovem amiga pura que não tem idéia dos diabos que cercam Kiedis, segundo canta o vocalista, mas também um jeito mais "humano" de Kiedis se referir à sua Califórnia ("California rest in peace, California show your teeth"), é uma balada suingada até chegar seu refrão explosivo. E tem previsão de aportar nas rádios no final de março.
O vídeo da música foi filmado há duas semanas e mostra a banda interpretando a história do rock desde os anos 50 até hoje, segundo descreveu Frusciante. Foi filmado por Tony Kaye, que dirigiu o filme "American History X". E, assim, faz todo o sentido com o momento "guitarristas históricos" pelo qual atravessa o iluminado John Frusciante.
A banda começa a pegar estrada em maio, com shows pela Europa que incluem o Rock in Rio realizado em Lisboa (3 de junho).
Está prometida uma excursão sonora para a América do Sul, mas talvez não ainda neste ano, pelo aperto na agenda. Possivelmente no começo do próximo ano.
Os Chili Peppers já tocaram quatro vezes no Brasil, três em São Paulo. A primeira foi no Hollywood Rock, em 1993, o famoso "festival do Nirvana". Em 2001, fecharam o Rock in Rio 3, tocando para 250 mil pessoas, na noite mais lotada do evento.
01/03/2006
Decidimos correr riscos, diz John Frusciante
LÚCIO RIBEIROColunista da Folha de S.Paulo, em Los Angeles
A fama de os Red Hot Chili Peppers serem sempre "chatos" no trato com a imprensa veio à mente na hora em que John Frusciante apareceu num "bangalô de entrevistas" no hotel Chateau Marmont, um em que Jim Morrison (Doors) já dançou bêbado no telhado. Frusciante entrou esbaforido e com cara de poucos amigos em um dos quartos onde estava a reportagem da Folha.
Em uma ação que durou no máximo um minuto, cheirou o ar, saiu, entrou de novo, saiu de novo, reclamou em voz alta do carpete "fedido", invadiu um outro quarto que não estava "arrumado" para entrevistas, deitou na cama, tirou o tênis, pediu para a assustada assessora sair e falou: "Pode começar. Você se importa de eu ficar assim, deitado?".
Agora que Stadium Arcadium ficou pronto, bateu o cansaço?
"Não está pronto ainda. Falta mixar quatro, cinco músicas. E talvez mudar umas outras. Mas não posso nem pensar em ficar cansado agora. Com um CD prestes a ser lançado, esta é a hora de a correria começar."
Em que você acha este novo diferente dos discos anteriores?
"Ele é muuuuito diferente. Não sei pelos outros da banda, mas estou bem entusiasmado com as guitarras de "Stadium". Dos CDs dos Chili Peppers dos quais participei, este é de longe o melhor, feito com mais inspiração, correndo mais riscos sem que ninguém parasse para questionar: "Ei, tem certeza de que assim é o melhor jeito?". Deve ser porque a banda parece se encontrar mais tranqüila, com mais luz do que nas trevas passadas..."
Esta é a primeira vez em 20 anos que os Chili Peppers repetem a mesma formação em três álbuns consecutivos. A banda resolveu os problemas do passado?
"Sim, estamos limpos. Não que tenhamos nos livrados totalmente de nossos demônios. Mas nossas vidas estão aparentemente sob controle. Estou vendo coisas que nunca pude ver antes, enxergando mais caminhos para a minha música. Acho este disco muito mais inspirado, iluminado. Estou tão excitado com ele que nos shows, se pudesse, nem tocaria músicas velhas."
Minha primeira impressão do álbum novo é a de que está menos cheio de baladas, como o By The Way (2002, o disco anterior), e mais dividido em hard rock e músicas com guitarras elaboradas.
"Com este novo disco, eu me sinto uma pessoa melhor. Estou conseguindo coisas que prometi para mim mesmo que lutaria por elas, que era me focar, me refugiar na música que eu faço. E "Stadium" reflete isso. O disco anterior talvez seja mais devagar porque ele reflete uma escuridão que eu vivia. Agora me senti capaz de explorar todas as camadas de sons que me formaram culturalmente. Ele não é só quatro caras tocando numa sala, como eu acho que "By the Way" era. "Stadium" é consistente, tem várias camadas, você ouve uma vez ele é um, outra vez e ele já é outro. Ele é experimental demais."
A turnê passa pelo Brasil?
"Óbvio que sim. Não sei se neste ano, porque a gente começa uma série de shows na Europa em maio e depois tem a turnê americana. Mas na América do Sul é onde estão os mais entusiasmados e loucos fãs dos Chili Peppers. O público dos EUA vai nos ver ao vivo e fica reservado, assistindo ao show. Na América do Sul eles são parte do show."
Fonte: Folha Online 1 / Folha Online 2
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