Entrevista presente no encarte da versão japonesa de Outsides EP. John Frusciante descreve nela como surgiu seu novo estilo musical, descrito por ele em outras oportunidades como sendo Progressive Synth Pop. Além de falar bastante sobre suas atuais influências, ele revela como veem sendo seu novo processo de criação, sua atual relação de aprendizado com seus novos equipamentos.
John
Frusciante, como você provavelmente sabe, é o homem que, como o guitarrista do
grupo, ajudou a monstruosa banda de rock Red Hot Chili Peppers a conquistar a
cena musical dos anos 90 com seu intenso estilo funk-rock, que até
hoje tem apoio inabalável dos fãs. Frusciante entrou na banda para preencher
uma vaga, mas demonstrou grande competência tanto como grande guitarrista
quanto como grande compositor, ajudando a banda a construir músicas com seu
lirismo emocional. Há provavelmente tantos fãs desta época quanto o número de
devotos de suas atividades musicais desde saída da banda para ser um artista
solo – enquanto colabora também com outros músicos – acumulando uma série de
lançamentos de álbuns.
Devido
a sua habilidade superior e estilo único como guitarrista, provavelmente há
muitas pessoas com a opinião de que ele deveria se ater apenas a tocar
guitarra. Dois trabalhos do ano passado [NUF: 2012] mostram que ele está longe
de seguir essas expectativas, mas essas obras únicas, Letur-Lefr e PBX
Funicular Intaglio Zone, tem recebido grande respeito, no entanto. O que
foi único foi como o uso experimental de música eletrônica de alguns anos atrás
tinha se tornado a principal característica da música e o quanto “synth-pop” e
drum-n-bass coloriam esses álbuns. O que estava acontecendo com ele para trocar
sua guitarra por samplers e sintetizadores?
É
possível que possamos encontrar respostas sobre tudo isso nesta entrevista que
Hashim Barucha fez a respeito do novo trabalho de Frusciante, Outsides,
que está à venda a partir desta semana. Abaixo fornecemos um trecho. Esta
entrevista exclusiva (embora seja em sua maioria um monólogo de Frusciante) em
si tem cerca de 30.000 caracteres e, sem dúvida, será um dos principais pontos
de venda desta edição. À medida em que você vá em frente e ouça o novo
lançamento, que foi feito com contribuições de RZA e outros membros da família
Wu-Tang Clan, você vai definitivamente querer ler essa entrevista em sua totalidade.
Depois do lançamento de The Empyrean,
e desde Letur-Lefr, você vem usando muito da música eletrônica ao seu
trabalho. Por quê?
"Eu passei quase toda a minha vida ouvindo discos e tocando junto com eles, aprendi assim. Nos últimos 30 anos, mais do que tudo, tenho passado meu tempo fazendo isso. Dessa forma, pude aprender muito sobre gêneros musicais diferentes.
Na época da minha última volta aos Red Hot Chili Peppers, toquei muita
guitarra enquanto ouvia synth pop, música de rave dos anos 90, hip-hop e música
eletrônica feita em computadores. Enquanto tocava guitarra junto com música
desse tipo, percebi que o jeito como eram usados samples e instrumentos
eletrônicos era completamente diferente do meu jeito de tocar guitarra. O
guitarrista e o compositor de música eletrônica tem uma forma completamente
diferente de pensar, e não combinam as notas da mesma maneira. Para mim, fazer
um solo na guitarra e compor uma grande canção de rock são coisas que faço sem
pensar. Infelizmente, o desafio já havia sumido.
A música eletrônica dos últimos 30 anos, com ritmos e fraseados novos,
gerou uma nova forma de desconstruir cada compasso...e isso para mim era um
mundo desconhecido. Apesar de eu ser um guitarrista experiente, eu não
conseguia entender a forma de pensar do Autechre, do Venetian Snares, ou do
Aphex Twin. Mesmo que eu pudesse reproduzir as músicas na guitarra, eu não
conseguia criar esse tipo de som sozinho. O jeito deles de combinar as notas
era incompreensível para mim. Quando a série Analord do Aphex Twin foi
lançada, achei aquilo tão incrível quanto o lançamento do Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club
Band dos Beatles - um divisor de águas. Senti que esse mundo desconhecido
poderia ser explorado. Para mim, isso era um novo tipo de funk.
Box da série de EPs Analord de 2005, de Aphex Twin |
O funk se desenvolveu nos anos 60 e 70 e não evoluiu muito
nos anos 80 e 90, mas percebi que em Analord, o Aphex Twin havia elevado o
nível do funk, através do uso de eletrônicos. Ao mesmo tempo em que
incorpora as tradições do funk, ele o eleva de uma maneira não-tradicional. Então
até eu comprar um 202 e 303 [NUF: MC-202 Microcomposer synth-sequencer e TB-303
bass synth-sequencer da Roland, equipamento básico para acid house] eu nem
sabia que esse tipo de equipamento existia. Eu já havia tido muitas
experiências com sintetizadores, mas quando perguntei qual instrumento eu
deveria comprar para fazer música eletrônica usando um sintetizador profissional,
me recomendaram usar algo de fácil manuseio, como o Nord Lead. Então comprei
um, e até dei uma chance para ele, mas aquilo não me inspirou. Como já tinha
ouvido falar em sintetizadores analógicos como o 202, tentei programar
alguns deles, e me empolguei bastante, pois pensei que, para pôr em prática a
minha ideia do que é melodia através do 202, eu deveria repensar completamente
minha relação com as melodias.
Eu
ainda não estava muito familiarizado com o 202, mas percebi que era possível
criar uma melodia que nunca havia sido inventada antes. Como músico, já havia
notado que sempre tentamos repetir os mesmos padrões. Quando saí em turnê com
os Red Hot Chili Peppers, levei comigo uma drum machine e um sintetizador, para
combater o tédio dos hotéis, mas continuava fazendo músicas da velha maneira,
baseado em verso e refrão. Eu queria me desprender desse padrão e criar
melodias com mais texturas e camadas.
Quando
comparamos a música eletrônica com a música pop, o pop tem mais a ver com
Mozart, enquanto a música eletrônica é mais Beethoven. Conforme um elemento
específico se torna o foco, ao invés desse mesmo elemento ser a base ou o
elemento central, vários outros elementos musicais surgem e se misturam ao
mesmo tempo (em múltiplos níveis e com pesos iguais). Em outras palavras,
existem múltiplos focos. Na música eletrônica, a batida se torna o foco na
maior parte das vezes. Mas no rock, os vocais são o principal. Então se você quer
maior liberdade de expressão na música eletrônica, você deve pensar na melodia
de um jeito completamente diferente.
Eu
comecei a tocar (ou estudar) jazz ainda criança. Na época, eu não entendia nada
de jazz, e era exatamente por esse motivo que queria aprender. Era uma forma
totalmente diferente da minha de “pensar a música”, por isso eu queria aprender (para ver se eu poderia pensar diferente, em termos de música). Foi a partir
daí que eu comecei a estudar John Coltrane e Miles Davis. E então aprendi um
jeito novo de pensar. Na vida, me considero um processo contínuo. No momento eu
entrei para o mundo da música eletrônica, percebi que é melhor aprender uma
nova técnica. Você está cercado de vários aparelhos eletrônicos e cada um
requer um tipo de programação diferente. Você aperta o play em
um equipamento e ele está totalmente sincronizado com todos os outros aparelhos
eletrônicos.
Isso
era novo e refrescante para mim. Era uma sensação totalmente libertadora, e me
livrou da ideia errônea de que eu era apenas uma parte de algo maior. Eu
percebi que eu poderia criar tudo sozinho. Ao invés de ser apenas um dos
instrumentistas, eu poderia ser o compositor.
Tocar
guitarra em uma banda é muitas vezes algo que te deixa restrito. Quando se
compõe músicas como o guitarrista de uma banda, você está apenas fornecendo a
“planta” do projeto todo. Quando se faz música eletrônica, é possível
engajar-se em um processo criativo que não está ligado a nenhum método de
composição tradicional. Então é possível reconstruir canções a partir de um
conceito abstrato. Além disso, tendo o controle total, eu posso manipular o som
diretamente. Ao invés de apenas tocar e mexer na frequência do instrumento, é
possível criar uma tonalidade harmônica mudando o próprio som.
Em uma
banda, você precisa tocar seu instrumento de acordo com a harmonia que está
sendo produzida pelos outros músicos. Quando você toca em uma banda, não há
escolha a não ser acompanhar o baterista, mas na música eletrônica é possível
controlar o ritmo bem de perto. Em uma banda, você precisa tocar observando o
baterista, e quando ele acelera o tempo, você também tem que acelerar a
velocidade em que está tocando. Dessa forma, quando ele diminui sua velocidade,
você tem de ir mais devagar também. É engraçado. O baterista tem muito poder
dentro da banda, e ele nem mesmo compõe as músicas - e mesmo assim tem esse papel
tão central, o que eu acho muito peculiar.
Quando
se faz música eletrônica sozinho, você é o baterista e - compondo todas as
partes - pode produzir o som por completo. Você elimina a preocupação do
engenheiro de som, que nunca tem certeza se conseguiu captar a ideia do músico
para o som. Para mim, fazer música eletrônica significa que eu posso ser
totalmente livre em termos de música. Eu até diria que o rock é música
eletrônica, em sua essência.
Muitas
categorias de gêneros musicais não têm nenhum significado teórico. O gênero
“rock alternativo”, por exemplo, é engraçado. Na verdade, é simplesmente
“rock”. Eu nem entendo porque esse nome fez sucesso (risos). É apenas a
evolução lógica do rock. O rock “alternativo” era apenas uma alternativa ao rock que vinha sendo feito até aquele
momento – sendo expresso de forma diferente. Que tipo de música é o rock
“alternativo”? É apenas uma alternativa ao rock do passado.
Existe
muita gente que considera música eletrônica e rock como coisas completamente
diferentes, mas se não fosse pelas pessoas que fazem os circuitos, o rock nem
existiria. Sem o amplificador, os captadores, os equipamentos de gravação, os sound
systems, o rock não existiria. Como resultado de muitos anos estudando e
fazendo música eletrônica, passei a escutar o rock de uma forma completamente
diferente. Se você escuta o rock que é feito hoje em dia, você vai conseguir
ouvir o método usado pelo engenheiro de som e as características da sala onde a
gravação foi feita. Eu consigo perceber bem o som original dos instrumentos
quando ele sai do amplificador. Nesse sentido, o rock e a música eletrônica são
a mesma coisa. O meu lado rock foi se misturando ao meu lado eletrônico
gradualmente.
Por
exemplo, existem músicas “rock” no disco PBX, mas elas foram produzidas
através de música eletrônica abstrata e de uma abordagem jungle. Eu
nunca imaginei que seria capaz de fazer músicas usando esse tipo de
método. Quando eu estava aprendendo a fazer música eletrônica, eu nem pensava
nesse tipo de coisa. Agora não faz sentido trabalhar dentro de apenas um
determinado gênero. Minha abordagem é uma combinação de múltiplos estilos, e eu
incorporo facilmente quaisquer tipos de elementos musicais que estão dentro de
mim. Incorporo elementos musicais meus de vinte anos atrás, assim como os de
dez anos atrás. Não existem lacunas entre eu e a música.
Em
termos de orquestras e bandas de rock, sempre há algum tipo de barreira entre
os músicos e a música. Por exemplo, apesar de o compositor ter criado a obra,
você tem o condutor e a orquestra, e então podem surgir problemas na tentativa
de atingir as demandas do compositor.
Na
música eletrônica, o compositor está completamente livre. Para ele
poder executar os sons que ouve dentro de sua cabeça, ele não depende mais dos
outros. Além disso, agora é possível para ele ouvir a música enquanto a cria,
em tempo real. Não existe mais uma necessidade de mostrar sua composição para a
banda e esperar para ouvir o tipo de som que a banda irá tocar. O fato de que o
“criar” e o “escutar” acontecem ao mesmo tempo, traz a
maior liberdade para mim. Fazer música eletrônica me oferece maior liberdade
musicalmente. Isso porque é a abordagem mais completa para fazer música."
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