3 de novembro de 2020

Maya e o Frusciante sem pressão - Novembro de 2020


John Frusciante concedeu uma entrevista para a KUTX 98.9 FM que foi ao ar dia 01 de novembro de 2020. O intuito da entrevista foi a divulgação do novo álbum Maya e nela Frusciante explanou suas principais influências dentro da música eletrônica e o conceito do trabalho lançado dia 23 de outubro de 2020.


"Meu processo criativo para fazer o álbum Maya foi geralmente passar um tempo, algo entre uma ou duas semanas criando somente os elementos que poderiam ser usados em uma música, sem uma ideia específica de como seria essa música, ao invés de pensar que tempo usaria. Eu sabia que escolheria algo entre 180 e 165 bpm e então eu criava sons que funcionassem bem com aquele tempo, ritmos quebrados que se encaixavam, criava sons na bateria eletrônica, fazendo experimentos em sintetizadores modulares. Eu uso muito o sintetizador DX7, é o principal sintetizador no disco. É um dos meus jeitos favoritos de passar tempo, fazer sons interessantes naquele sintetizador. 

Geralmente eu tenho uma ideia geral do que eu vou trabalhar e o tempo, as vezes eu tenho um trecho de uma música que uso apenas como um ponto de referência para criar break beats e samples. Em algum momento eu tinha muitos elementos para trabalhar e algo surgia, um som de sintetizador que ficava bom com uma melodia em particular ou a combinação de seis break beats combinadas que foram tratadas separadamente, todas essas coisas. E eu me sentia pronto para fazer a música, o que demorava cinco, sete dias mais ou menos.



Com tantos elementos em seus lugares, o processo de gravar a música geralmente não tinha muitas interrupções por questões técnicas por que eu fazia isso antes de saber como a música soaria, quando ainda estava no escuro. Mas quando o sentimento surgia eu seguia em frente. Apesar de ter um estúdio com muito equipamento eu tento fazer música com o mínimo possível de equipamento, eu me limito fingindo que para determinada música eu tenho apenas quatro ou cinco coisas em meu estúdio É um apelo criativo pegar um sintetizador e tentar criar do rascunho ao invés de tentar pensar no avançado. Essa é uma das transições que aconteceram no meu processo de ser apenas um guitarrista para me tornar um músico eletrônico.

Eu costumava ser muito apegado a ideias que surgiam na minha cabeça por que geralmente é assim que surgem as músicas, ouvindo a letra ou a melodia na sua cabeça, ou os acordes. Na música eletrônica funciona muito melhor não ter uma ideia preconcebida de onde vai chegar, e trabalhar com os equipamentos como se eles estivessem cuspindo ideias que você não esperava; eu gosto de equipamentos que interagem com o cérebro humano dessa maneira.

Eu nunca considerei usar guitarra nesse disco, eu parei de usar guitarra em minhas músicas anos atrás, é algo que gradualmente se extinguiu, eu perdi o interesse na guitarra como um instrumento de performance. Tem algo mágico que acontece quando eu toco com Chad Smith, Flea e Anthony que faz a guitarra parecer infinita para mim. É muito estimulante para mim pegar um instrumento limitado como uma Stratocaster - e com os efeitos - e as pessoas que interajo parecer um instrumento diferente para cada música.

Quando estou em casa eu prefiro sintetizadores, drum machines e samples, são os instrumentos que parecem mais infinitos quando estou sozinho em um estúdio. Eu gostaria de citar alguns músicos eletrônicos que considero uma inspiração quando eu estava fazendo esse disco, alguns podem parecer similares ao meu disco outros não, mas todos foram inspiradores para mim: Mark Fell, eu adoro tudo que Mark Fell faz, ele faz muita coisa com sínteses FM, que eram as formas de síntese que eu me interessei inicialmente; eu me interesso pela música dele faz muito tempo, 20 anos mais ou menos. Eu acho a musica dele inspiradora por que ele tende a fazer coisas tanto muito simples como muito complexas ao mesmo tempo.



E daí tem alguém como LB, ele é um dos principais que pegou os conceitos do garage do Reino Unido e gradualmente transformou em dubstep; e ele conseguiu isso com poucos equipamentos, e eu sinto que tem muito coração em sua música, é muito inspirador. Também tem grandes produtores de hardcore e jungle de 91 a 96: Remark Busy Bee, Foul Play, DJ SS, Four Horse and the Apocalypse, Mind Therapy, Beats R Us, DJ Crystal, DJ Focus. E daí tem músicos, DJ Rashad, cuja música eu considero muito inspiradora desde que a descobri. Para mim, ele e Buriel e pessoas que surgiram nos últimos 15 anos, são meus favoritos, eu realmente gosto de coisas chamadas de IDM como Aphex Twin, Attacker e Square Pusher, mas eu também gosto muito de Ghetto House e Juke, DJ Dion e DJ Funk, Dantomania Label. E as pessoas que surgiram com o footwork como RP Boo, DJ Spin, DJ Manny, mas especialmente DJ Rashad; para mim ele trouxe um novo vocabulário que eu acho que as pessoas vão continuar descobrindo por anos, por que ele trouxe tantas ideias para música, e eu gostaria que ele tivesse vivido mais para continuar o que ele estava fazendo, ele era o centro de uma cena que era uma das mais bonitas em música eletrônica.

E meu amigo Venetian Snares cuja música sempre foi uma super inspiração para mim. Eu também tenho amizade com DJs da região por que minha companheira é DJ e parte da comunidade de raves daqui, então ela é uma grande inspiração para mim. Temos um amigo chamado Weezy que é muito inspirador, temos um amigo chamado Discor; a música deles é inspiradora e ser amigo deles é uma inspiração também por que posso conversar com eles sobre música. Eu nunca encontrei com eles sem aprender algo. Definitivamente grande parte da minha música é por causa dos amigos que também fazem música eletrônica.

Quando eu comecei desenvolver meu interesse por música eletrônica eu conhecia poucas pessoas que se interessava, então me tornei amigo de Charlie Clouser e Danny Lohner do Nine Inch Nails; eles foram de grande ajuda para mim, Charlie Clouser especificamente me ajudou a conseguir um sintetizador modular e me deu boas lições que me ajudaram a começar entender aquilo. Ele era um grande professor em sintetizadores modulares, eu nunca vou esquecer as coisas que ele me ensinou e serão sempre parte do que faço.



Eu costumava sair muito para dançar drum and bass no começo dos anos 2000 em algumas casas noturnas aqui em LA. LA sempre teve uma ótima cena underground de música eletrônica, mas eu não conhecia na época e eu não era muito sociável. Então eu saia para dançar e ouvir musica e não conhecia ninguém que poderia me conectar com aquele mundo, até por volta de 2008, quando comecei a ter mais amizades com pessoas que estavam na cena ilegal de raves de Los Angeles.

Uma outra coisa que acho importante sobre o álbum Maya é que por um ano antes de fazer o disco eu tive um período de tempo que tentei programar de um jeito que foi desafiador para mim e eu não me concentrei em fazer algo bom ou nem mesmo fazer algo que necessariamente finalizaria. Eu precisava apenas retomar novos hábitos; eu não fazia música por quase dois anos antes disso, então quando eu voltei eu queria fazer coisas completamente diferentes do que eu tinha o hábito de fazer antes. Então eu desenvolvi um novo conjunto de hábitos que que me deixou com grandes restrições naquele ano.

Então quando comecei a fazer as músicas desse álbum, a primeira faixa que fiz foi "Amethbowl", foi uma grande explosão de energia por que finalmente depois de um ano estabelecendo essas restrições e dificultando as coisas para mim mesmo, eu flui melhor com os novos hábitos que desenvolvi. tiveram vários momentos em minha vida que pareceram um renascimento musical e esse foi um deles e eu trabalhei para isso.



Eu acho que é saudável para qualquer músico em alguns momentos tirar a pressão de si mesmos de tentar fazer algo que outras pessoas irão gostar ou que você mesmo ache bom, e ver o que acontece se você tentar fazer uma música que você ache ruim. Algumas vezes você vai se surpreender com o resultado, algumas vezes você vai fazer uma música melhor tentando fazer algo ruim ao invés de tentar fazer algo bom.

Foi assim que aconteceu para mim quando fiz meu primeiro disco solo Niandra Lades. eu vinha tentando fazer boas músicas até aquele momento, músicas que eu pensava que conquistaram a audiência da cena da música que eu fazia parte, como Fishbone, Red Hot Chili Peppers e Jane's Addiction, não parecia natural para mim. Então eu comecei a fazer música que era meio esquisita para e inspirada mais em Velvet Underground ou Syd Barrett, coisas assim, tentei fazer o que surgia naturalmente sem que eu fizesse nenhum esforço para criar algo bom. E eu realmente amei ouvir aquilo e eu mal conseguia ouvir o que eu tinha feito antes disso, quando eu tentava fazer algo apelativo para as pessoas no mundo que eu fazia parte.

Às vezes o ambiente que você está inserido ou as pessoas que você considera uma audiência é a melhor maneira de extrair um bom fruto criativo, mas as vezes é bom se desconectar totalmente daquilo e eu tive que fazer isso várias vezes em minha vida para manter minha criatividade fluindo. E foi isso que fiz um ano antes de começar a gravar Maya, eu só fiz coisas ruins e eu fiz coisas ruins, eu não acredito que tive paciência. Mas foi uma boa explosão de energia naquele momento. eu fiz algumas boas faixas de sons que coloquei no meu Soundcloud. Mas em geral eu tive que deixar de lado todas as considerações de qualquer critério de qualidade para garantir que eu tivesse uma nova linguagem musical, para que quando eu fizesse música soasse como algo que nunca fiz."


Tradução: Eloá Otrenti - Frusciante Brasil
Fonte: KUTX 98.9 FM - 01 de novembro de 2020



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