2 de julho de 2017

A criação de "After Below" - Maio de 2015


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Como a música foi criada? Qual era a ideia inicial e o que mudou até o processo de gravação? Em nossa série "Making Of" músicos e produtores contam a história de uma de suas músicas com suas próprias palavras. Desta vez, John Frusciante dá o seu relato de como ele criou "After Below" do seu novo álbum de acid house sob a alcunha de Trickfinger.

"Eu tinha uma forte visão de mim mesmo fazendo música eletrônica em 1997 pouco antes de voltar a minha antiga banda [Red Hot Chili Peppers]. Eu sempre enxerguei todo tipo de música feita com instrumentos elétricos e/ou música gravada como música eletrônica. Mas nunca tinha imaginado eu mesmo sendo alguém que faria synth pop, hip hop ou dance/club. Nos anos 80, raramente eu curtia músicas feitas com sintetizadores, samples e drum machines. Quando surgiu todo aquele techno maravilhoso e o jungle na década de 90, eu nem sabia que existiam. Mas quando o meu período de dependência de drogas dos anos 90 chegou ao fim, eu me tornei obcecado com a chamada música eletrônica. De repente eu comecei a amar synth pop e industrial music dos anos 80, e achei que minhas composições soariam bem produzidas assim, mas eu tinha pouco dinheiro, e pensei que esta era uma música muito cara de se fazer. Voltei para minha antiga banda [Red Hot Chili Peppers], e gradualmente comecei a comprar sintetizadores, samplers e drum machines. Logo descobri diferentes tipos de música house, techno, jungle e gravadoras como Rephlex, Warp, React e XL. Também descobri electronic noise music e gravadoras como como Staubgold, Mille Plateaux e Mego.

''A ideia de que um músico não está qualificado para ser um engenheiro de som é um conceito ignorante do rock"

Gradualmente percebi, ao longo de cerca de oito anos, que as melhores máquinas para mim não eram as que profissionais do ramo tinham recomendando a mim, e que você não precisa de grandes estúdios caros ou uma equipe de pessoas para fazer boa música eletrônica. Esse é um conceito ignorante do rock, a ideia de que um músico não está qualificado para ser um engenheiro, e que um home studio nunca pode soar tão bom como um grande estúdio. Eu sabia que isso estava errado em 1999, mas eu não tinha ideia de como a música de Autechre ou AFX veio a existir. Eu não tinha amigos que trabalhavam desta maneira, e tive que gastar um bom tempo fazendo o meu trabalho profissional na minha antiga banda. Até o momento em que ouvi a série de álbuns Analord em 2005 (do AFX), eu tive certeza de que um cara que é músico e engenheiro era potencialmente superior ao padrão cansado da indústria, onde o engenheiro e músico são duas coisas separadas. Cada segundo dessa série Analord soou tão bom para mim como Depeche Mode, então passei a tentar desaprender tudo o que eu tinha aprendido com nossos engenheiros da indústria musical.

Assim que comecei a comprar as máquinas antigas da Roland dos anos 80 e outras máquinas semelhantes, me tornei obcecado em ler manuais e aprendi a programar essas coisas. Eu vinha fazendo música eletrônica no meu tempo livre havia cerca de oito anos, mas estava utilizando os instrumentos errados para mim. Agora eu tinha uma visão clara do caminho que queria seguir e tinha encontrado os instrumentos que eu queria usar. Em meio a isso, resolvi sair da banda e dedicar-me inteiramente a me tornar o músico que eu queria ser desde quando voltei para a banda. Assim que terminamos nossa última turnê, em 2007, gravei as músicas deste LP Trickfinger. Fui aprendendo a programar as máquinas em salas de hotéis, aviões e em ônibus por cerca de um ano, e por isso, quando a turnê acabou, eu estava pronto para sair. Eu também estava no meio da gravação do The Empyrean, que eu sabia que seria o último álbum de rock que eu faria, mas o material de acid era a minha prioridade, e eu estava realmente cansado de trabalhar com outras pessoas.

Eu fiz essa música estritamente para aprender, sem qualquer intenção de lançar. Eu queria fazer música como as coisas que eu fiz recentemente em PBX e Enclosure, mas eu não tinha ideia de como fazer isso, e estava com medo de computadores. Senti que acid house era o lugar para começar minha nova educação musical. Eu estava ouvindo um monte de acid de Chicago dos anos 80, e acid da Inglaterra, mas fiquei obcecado com Venetian Snares, Squarepusher e assim por diante, e estava apenas pensando que o que eu estava fazendo eram as medidas adequadas para aprender o vocabulário musical básico dessas pessoas que eu considero ser a maior forma de músico existente no Mundo. Programação por etapas é uma maneira de pensar que acho que beneficiaria qualquer músico, de qualquer tipo.

As músicas do álbum Trickfinger foram gravadas nos últimos quatro meses de 2007, e eu continuei nesse sentido por vários meses depois disso, foi um período de fases, tive uma fase de usar PCP assim como várias outras distrações (como terminar o The Empyrean). Em torno do verão de 2008, eu conheci Aaron Funk [também conhecido como Venetian Snares] e começamos a fazer música juntos. Nós fizemos algo como 60 horas de música gravada juntos até o presente momento. A nossa abordagem tem sido geralmente gravar música ao vivo, então acho que posso dizer que o meu material como Trickfinger leva ao Speed Dealer Moms. Mas quando fiz Trickfinger eu estava sozinho, sentindo-me desconectado de meus amigos do rock e ainda não tinha amigos na música eletrônica. Logo quando eu tinha terminado as músicas de Trickfinger, fiz um monte de amigos do hip hop, mas eu não tinha absolutamente nenhum interesse em fazer hip hop. House music era a minha coisa naquela época, e eu estava desejando um dia fazer música eletrônica abstrata, como finalmente fiz no meu Outsides EP, "Sect in Sgt", e em abundância no Speed Dealer Moms. Eu tinha vários objetivos musicais naquela época, nenhum dos quais envolvendo receptividade do público. De um modo geral, Aaron e eu fizemos um monte de acid básico quando começamos, e, gradualmente, a nossa música ficou mais livre e abstrata.

A maior experiência educacional e enriquecedora que eu já tive foi fazer música com outra pessoa que realmente não dá a mínima para o que qualquer outra pessoa no mundo iria pensar sobre isso, ou se a música um dia será lançada. Na minha opinião, fazer música sem intenção de liberá-la é a melhor coisa que um músico pode fazer para o seu próprio desenvolvimento. Trickfinger foi feito nessa mentalidade, e foi o começo de uma nova vida musical para mim. Quando eu ouço ele, parece que estou abrindo portas para novos mundos, e nunca tive essa sensação ouvindo música que eu fiz com a finalidade de lançar e vender. Após a reunião com Aaron, fiz amigos e conhecidos que cresceram em torno apenas de techno, hip hop, jungle, industrial, etc, e isso foi muito reconfortante e estabilizante para mim, pois eu tinha, e ainda tenho, nojo do pensamento dos músicos modernos de rock e a direção descendente que essa forma de música vem tomando. Além disso, através de Aaron, descobri gravadoras como Suburban Base e Lucky Spin, que tem algumas das minhas músicas favoritas em todos os estilos, da década de 90.

Quando fiz The Empyrean, eu gravava através dos métodos de trabalho tradicionais do rock há um longo tempo, e podia ver o meu conceito de uma música ou um álbum e, logo em seguida, o lançava. Quando fiz Trickfinger, eu não tinha essa habilidade em música eletrônica, e cada faixa terminava da maneira que terminava. Eu não estava nada preocupado com o resultado. Eu estava dedicado ao processo, e permaneço assim até hoje, apesar de que demorei alguns anos para lançar músicas novamente. Meus álbuns PBX, Enclosure e Outsides foram todos feitos depois que eu tinha desenvolvido a capacidade de visualizar um conceito para um álbum e lançá-lo, agora na música eletrônica.

"Iniciar uma gravação com uma canção pré-escrita é um método antiquado de fazer uma gravação musical"

Iniciar uma gravação com uma canção pré-escrita é um método antiquado de fazer uma gravação musical. Fazer música sem idéias escritas é a nova fronteira possível da tecnologia, e comecei a minha jornada nesta estrada com o Trickfinger. Eu fazia gravações naquela época com músicas pré-escritas, mas eu, no entanto, nunca empreguei os métodos de trabalho da música eletrônica moderna, apenas encontrei meu caminho e segui. Esse é o tipo de pessoa que eu sou. Eu não me importo de ficar perdido, e não me importo de não ter nenhum grau de certeza para onde estou indo. Eu amo exploração e investigação, e Trickfinger foi quando comecei a fazer música exclusivamente para esses fins. Eu sempre começo com um simples elemento que não necessita da 'idéia brilhante', e mudo de máquina para máquina, até que a canção fica pronta para ser executada e gravada.

Todas as músicas no Trickfinger foram gravadas ao vivo em um gravador de CD, através de um mixer bem simples. Eu me sentava em uma cadeira de chão na minha sala, cercado por cinco a quinze máquinas, e começava a programação e tocava comigo mesmo, até que a faixa estivesse pronta para ser gravada. Não houve overdubs - é tudo ao vivo. Em um ponto eu tinha tantas máquinas em torno de mim que meus gatos não podiam fazer o seu caminho até mim, então tive que começar a deixar um espaço para que eles pudessem caminhar para perto de mim. Eu estava ouvindo no meu sistema estéreo normal, sentado na mesma cadeira que sempre praticava guitarra junto com CDs, no mesmo sistema de som que meus meus amigos e eu ouvimos discos.

Se eu bem me lembro, "After Below" foi programada e gravada em um dia. Os instrumentos utilizados foram: uma 303, uma 606, uma 808, uma 101, uma 202, um ARP 2500 e um EMT 250 reverb. Foi gravado através de um mixer Mackie de 16 canais, em um Tascam CD RW-2000. Há algumas canções que demoraram um tempo para eu terminar, como "Sain", em que só a parte sozinha da bateria na Roland R8 me levou mais de uma semana para programar, mas "After Below" foi bem fácil para mim. Programei um bumbo reto na drum machine 606, junto com um compasso na 303 que se repete ao longo de toda a faixa, também fiz a melodia principal em um sequenciador (provavelmente um 202), tocando o ARP 2500 pesadamente tratado pela EMT, fiz uma melodia secundária na 202, e fiz uma parte na 808 que é uma caixa meio que solando sobre a coisa toda. Também usei uma 101 configurando uma definição de ruído, com saída para uma das 606, e manipulei este som em toda a gravação. As vezes parece que isso é a parte do bumbo, e em outras vezes abri o filtro para deixar o ruído puro. Não há chimbal ou pratos de qualquer tipo na faixa, mas as vezes o ruído dá a impressão de ter um prato de ataque no meio.

Lembro-me de "After Below" como sendo a faixa mais fácil de colocar no álbum, e lembro que não tive complicações. Você pode ouvir o som de um 'click' engraçado, mas é apenas o barulho que o relógio da 606 faz às vezes. É um vazamento, um engenheiro profissional nunca iria tolerar tal barulho em sua preciosa gravação. Esse som simplesmente vem com o uso de uma 606, isso é audível em gravações de Drexciya, 808 State e nos acids antigos de Chicago, e eu vejo esse tipo de coisa não intencional apenas como parte da diversão.

"Eu acho que um sintetizador analógico é uma extensão do mundo natural"

Durante a gravação, eu estava principalmente manipulando um som de ruído da 101 junto com o bumbo, e a parte da 202, que subitamente vai e volta com a minha mão no filtro e na ressonância. Naquela época, eu usei o que é chamado de "Song Mode" (modo canção) nas antigas máquinas da Roland, então a caixa da 808 e a melodia do ARP 2500 foram programadas para aparecerem e sumirem durante toda a faixa, assim eu não teria que fazer nada enquanto gravava.

Máquinas analógicas com computadores dentro, como todas aquelas primeiras máquinas Roland dos anos 80, são ótimas porque o computador responde aos comandos da sua mente e o sintetizador analógico responde a energia do seu corpo. Usando um computador para sons você coloca uma divisão entre a sua energia física real no momento e o som que você ouve. Eu acho que um sintetizador analógico é uma extensão do mundo natural e se correlaciona com o corpo e todas as coisas vivas perfeitamente. Sintetizadores analógicos são como toda a natureza refletida em uma máquina, e computadores são algo de outro mundo que são uma alternativa para o fornecido pela natureza. Eu diria que os sons de sintetizadores analógicos são excelentes e divertidos para tocar e que os computadores são bons em obedecer comandos.

"After Below" foi boa porque eu quase não fiz nada. É minha natureza trabalhar muito duro e me desafiar. Eu gosto de dificuldades e sou atraído por complicações. Mas essa música era apenas eu me deixando levar, e acho que a vibe dela é muito boa, o que é uma sensação agradável."


Fonte: Groove - 01 de maio de 2015

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