CHAMA CASEIRA
Por Richard Bienstock
Desde que deixou o Red Hot Chili Peppers – pela segunda vez –
em 2009, John Frusciante se manteve praticamente ausente dos olhos do público
mainstream. Mas isso não significa que o guitarrista não esteve ocupado
escrevendo, gravando e lançando novas músicas. De fato, sua produção nos
últimos anos tem sido divergente em quantidade e saída. Ela engloba álbuns solo
(o eletrônico e experimental PBX
Funicular Intaglio Zone de 2012), EPs de gêneros misturados (Letur-Lefr, de 2012 e Outsides, de 2013), singles distribuídos
como downloads gratuitos (a peça solo de guitarra de 10 minutos "Wayne"),
colaborações (com, entre muitos outros, a cantora – e sua esposa – Nicole
Turley e o guitarrista do At The Drive-In e Mars Volta, Omar Rodriguez-Lopez),
e até mesmo trabalho de produção (com o grupo de rap filiado ao Wu-Tang Clan,
Black Knights).
Mas não importa o projeto que ele persiga nestes dias, o
traço comum de Frusciante é sempre, de uma forma ou de outra, fazer música. O
que não é bem a mesma coisa que tocar
música:
“O importante para mim é estar no processo criativo”, diz
ele. “Eu costumava ser muito frustrado quando estava em uma banda de rock com a
obsessão de todo mundo pelo o que será feito no final do dia. Eu não acho que isso
deva ser o objetivo, tipo, ‘Oh, ótimo, acabamos. Agora podemos ir para a tarefa
mais importante, que é promover nós mesmos ou ir para o palco’. Para mim, estar
no estúdio gravando e sendo criativo é a sua própria recompensa. E as melhores
coisas que acontecem surgem durante o processo, e não após. Então, eu estou
feliz de viver no estúdio e de mergulhar na música”.
E, aparentemente, terminar projetos em sua própria agenda.
Sobre isso, a mais recente oferta de Frusciante é Enclosure, um trabalho de 10 músicas que ele escreveu e gravou a
maioria em 2012, ao mesmo tempo em que estava produzindo o disco do Black
Knights, Medieval Chamber. Tal como
os seus últimos lançamentos solo, Enclosure
encontra Frusciante se aprofundando ainda mais em sua fascinação por sons eletrônicos.
Além disso, como a maioria de seu trabalho solo, ele canta e toca todos os
instrumentos – que além de guitarra consiste principalmente em baterias
eletrônicas e sintetizadores criando paisagens sonoras descontroladamente
divergentes e impressionistas, que são alternadamente viajantes (“Run”),
sinistras (“Shining Desert”), sem direção (“Crowded”) e pungentes (“Fanfare”).
Há também uma boa dose do trabalho inimitável do guitarrista tantas vezes
elogiado, como nas cinéticas sacudidas de notas simples no meio de “Stage” e nos
acompanhamentos angulares para Acid que se estendem praticamente por todo o
comprimento da instrumental de mais de seis minutos, “Cinch”.
Para isso, enquanto Frusciante ultimamente parece estar mais
extasiado com instrumentação eletrônica, ele também ressalta que os fãs de sua
guitarra irão encontrar muita coisa para gostar no seu álbum solo. “Na verdade,
há muito mais guitarra em destaque aqui do que há em qualquer álbum dos Chili
Peppers”, diz ele. “Solar em um álbum dos Chili Peppers significa que você toca
pouco mais de 20 ou 30 segundos no meio da canção. Mas eu tenho solos de 10
minutos em algumas dessas coisas. Assim, a guitarra sempre desempenha um papel
importante na minha música”.
Mas talvez o mais significativo seja o fato de que, se ele
está tocando guitarra, cantando, ou até mesmo programando uma máquina de
sintetizador ou bateria, o lançamento solo de Frusciante é em todos os casos
uma construção sem filtro e sem obstáculos de sua própria mente criativa. “Como
músico, eu desejo ouvir minha visão completa realizada”, diz ele. “Não estou
interessado em ver como as outras pessoas querem mudar o que eu faço, ou como
seus próprios talentos musicais se inspiram no que eu faço. Eu quero fazer a
coisa toda do meu jeito. Não é uma questão de querer ter o controle – é uma
questão de querer estar no processo criativo, sem considerações humanas e sem
considerações comerciais afetando a música”.
Na véspera do lançamento de Enclosure, Frusciante falou com a Guitar World sobre seu processo
criativo, o seu amor por instrumentos eletrônicos e como ele aproxima o solo de
guitarra a seu trabalho atual. Ele também falou com franqueza surpreendente
sobre alguns dos desafios artísticos que enfrentou durante o seu tempo no Chili
Peppers e explicou por que, enquanto está, talvez, mais comprometido do que
nunca com fazer música em um estúdio, ele pode nunca mais tocar ao vivo em um
palco de novo.
ENTREVISTA
Guitar World: Sua
música solo abrange muitos sons e estilos diferentes. Para aqueles que só
conhecem seu trabalho com os Red Hot Chili Peppers, é muito fora do que eles
estão acostumados a ouvir de você.
John Frusciante: Quando
você está em uma banda popular, você tende a fazer o que acha que o público da
banda irá responder. Mas os meus gostos sempre foram muito diferentes daquele
estilo. Mas [no Chili Peppers] eu estava objetivando escrever coisas que eu
sabia que Anthony [Kiedis] gostaria de cantar, Flea gostaria de tocar baixo e
Chad [Smith] soaria bem tocando bateria por cima. Então você entra em uma
situação onde você está apontando sua musicalidade numa direção, que é a
direção do público, da banda e os membros da banda, dos gestores da banda e da
gravadora da banda. Mas a música que eu faço agora não é dirigida a qualquer
público específico, a quaisquer interesses empresariais específicos ou qualquer
coisa assim. Eu especificamente não faço música a fim de fazer outras pessoas
felizes. Eu faço a música que me faz feliz. Então, eu entendo como o lado de
fora [a música que eu estou fazendo agora] seria surpreendente com base no que
eu fiz antes. Mas qualquer um que me conhece sabe que estou fazendo exatamente
o que eu quero fazer.
Mesmo que haja uma
abundância de guitarra, a música não é, geralmente, baseada em riffs. Você às
vezes se refere ao que você faz como progressive synth-pop. Como sua guitarra
se encaixa neste som?
Eu me treinei como músico nos últimos seis anos para
aprender a pensar mais como um tecladista do que um guitarrista. Não que eu
realmente toque teclados – eu programo números em máquinas e é aí que os
sintetizadores surgem na minha música. Mas como guitarrista, eu posso tocar
junto com o material de Rick Wakeman no Yes ou coisas de Tony Banks no Genesis,
e penso do jeito que as pessoas pensam. Então, quando escrevo progressões de
acordes hoje, eles tem mais em comum com esse estilo. E quando eu solo, quero
que haja algumas modulações interessantes ou outras coisas para tocar por cima.
Estou à procura de algo que um guitarrista normalmente não quer para solar por
cima.
Quando você aproxima
esses longos solos de guitarra a músicas como “Same” do Outsides, de 2013 ou “Cinch” do novo álbum – o que você faz para
conseguir?
Estou tentando me desafiar. Eu tento fazer coisas que seriam
inconvenientes para um guitarrista solar sobre. Isso é o que é divertido para
mim – ver a correspondência entre minha imaginação e meus hábitos e a minha
inteligência. Eu quero que eles todos coordenem-se um com o outro e que eu
tenha dificuldade em fazer isso. Tipo, eu não quero ficar apenas solando sobre
um vamp em Mi ou algo assim. Eu quero os acordes mudando, quero o tom sendo
modulado. Quero que seja algo que um guitarrista de blues não pudesse apenas
sentar e tocar. Olhando ao longo da história, eu percebo que você tem essas
pessoas realmente boas solando sobre modulações, como George Harrison, Jeff
Beck ou Mick Ronson. Mas noto que eles não tocam tão loucamente como Frank
Zappa ou Jimi Hendrix. E a razão de Frank Zappa ou Jimi Hendrix tocarem mais
descontroladamente é porque eles solam principalmente sobre vamps. Então o que
eu tento fazer é tocar sobre os tipos de progressões que pessoas como Mick
Ronson ou George Harrison mais solaram, mas fazendo isso de uma forma que seja
tão selvagem como Jimi Hendrix ou Frank Zappa.
Você também escreve e
toca todos os instrumentos de apoio que tendem a consistir principalmente de
sintetizadores, drum machines e
samples. O que te levou ao seu interesse em instrumentos eletrônicos?
Quanto aos instrumentos eletrônicos, você só tem que
entender que a razão pela qual aprendi a tocar todos esses instrumentos é que acredito
na minha própria visão da música, e não queria apenas contribuir para uma
música, como fiz quando eu estava em uma banda. Quero criar uma música sozinho.
Então, eu quero tocar bateria do jeito que quero que soem e quero tocar sintetizadores
do jeito que quero soem. E quero usar samples, porque penso que eles são o
instrumento mais forte e mais poderoso do mundo. Então essa é a razão pela qual
estes são os instrumentos que eu toco, porque como músico eu desejo ouvir a
minha visão completa realizada.
O fato de você gravar
sozinho e em casa ajuda.
Ajuda. Enclosure
estava esperando há quase um ano, mas estou lançando-o apenas agora. Nunca
houve qualquer pressão sobre mim por uma fonte externa. Isso costumava ser
realmente irritante. Não ajuda estar cercado por pessoas que só se preocupam
com as coisas quando você está terminando, enquanto você realmente gosta de
estar no processo. É perturbador.
Todas as coisas que
acontecem depois que a música é gravada – o marketing, as entrevistas, as aparições
– são todas as coisas que você não tem nenhum interesse em fazer parte de novo.
Não acho que isso seja como um músico deve pensar. Digo, eu
acho que Beethoven escreveu boa música. Ele não estava achando que as pessoas
deveriam gostar do seu charme ou do sorriso em seu rosto ou da porra das coisas
espirituais que ele tinha a dizer, sabe? [risos] Ele manteve sua mente na
música, e foi ficando melhor e melhor fazendo música ao longo de sua vida.
Independentemente de como o público respondeu com o que ele estava fazendo, ele
não estava usando-os como seu guia. E acho que um músico pode viver uma vida
longa e saudável assim. Se você está sempre pensando sobre se o que você está fazendo
é acessível ou cativante, estas são coisas que não são habilidades musicais.
Elas são maneiras que você pode chupar o público ou chupar pessoas de negócios.
Você não pode desenvolve-las diretamente pela prática do seu instrumento.
Então, na minha mente, as coisas que músicos profissionais trabalham pensando
no futuro não são objetivos musicais; são objetivos de finanças, popularidade e
visibilidade. Para mim, eu não entendo isso. Você tem tanto espaço mentalmente,
e tem tanto tempo para estar aqui...
Como tocar ao vivo entra
isso?
Com os Chili Peppers, eu estive na banda, tipo, 10 anos, nesta
última vez. E passamos mais tempo em turnê do que escrevendo, de longe. Para
mim, esse não é um caminho para um músico viver sua vida. Eu consigo entender
que é uma ótima maneira de viver sua vida se você é um caçador de atenção. Mas
para alguém que ama a prática musical é realmente um desafio estar em uma banda
como essa. Eu consegui estar em turnê e praticar todos os dias, antes e depois
dos shows e passar alguns dias de folga lendo. Mas você está indo contra a maré
se fizer isso nos negócios do rock and roll. A maioria das pessoas nos negócios
do rock and roll está feliz em passar a maior parte do seu tempo elaborando estratégias
de como elas poderiam ser mais populares. Não acho que isso é um estilo de vida
saudável para um músico.
Então, mesmo o ato de
tocar música no palco começou a perder apelo para você?
Bem, sim, porque você está se repetindo mais e mais. Você
pode tocar um pequeno riff adicional em algum lugar, ou pode fazer um pouco de
improvisação no final do show, mas, basicamente, você está fazendo a mesma
coisa todas as noites. E o público está experimentando como se fosse a primeira
vez que isso acontece, mas você está ciente de que você tem feito todas as
noites pelo último ano e meio. Você está agindo estar todo animado com aquilo,
mas não está. Tudo é apenas um grande
jogo de fingir, que o público, de alguma maneira, acredita.
Você pretende tocar seu
próprio material ao vivo em algum momento?
Hummm...não. Eu acho que não nasci para o entretenimento. Acho
que foi algo que me adaptei e que me forcei para isso. Mas não sinto que isso é
quem eu realmente sou. Flea, Anthony e Chad para mim nasceram para entreter. Eu
não. Não é o que fui colocado aqui para fazer.
Você prefere fazer
sua música no estúdio.
Sim. Subir ao palco para mim me parece...é um desfile. Você meio
que está usando sua presença física como um adereço ou algo assim. Não é realmente
uma coisa musical. E acho que todas essas gerações que surgiram depois da MTV devem
se lembrar que a música não é uma coisa visual. É um som. É uma perturbação das
moléculas de ar. Não é a cara que alguém faz ou a roupa que alguém usa. Hoje o
que pensamos como um músico de verdade é alguém que vemos no palco detonando
com seu instrumento, fazendo seus giros e suas caras. Mas eu acho que as
pessoas devem se lembrar que nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os
músicos mais poderosos do mundo eram compositores. Eles não estavam lá quando
você estava ouvindo a música. Eles viveram isolados, escrevendo.
Quais guitarras que
você vem usando ultimamente no seu processo de escrita e gravação?
Estive tocando principalmente Yamahas SG-2000, do final dos
anos setenta e início dos anos oitenta. Elas são meu tipo favorito de guitarra.
Você pode obter uma grande quantidade de variedade de tons delas, e em termos
de madeira, são guitarras muito pesadas, então elas possuem um som muito gordo.
Muito mais gordo do que Strats. Eu também tenho algumas SG-1500, e também uma Ibanez
Artist e uma Carvin Allan Holdsworth. A Carvin é uma guitarra interessante - é
oca por dentro, mas não tem f-holes.
Por isso, tem um som diferente. Também tenho uma guitarra Roland G303, que uso
com uma guitarra-sintetizador GR300.
Nos Chili Peppers, você estava sempre associado a Strats antigas.
Eu costumava tocar guitarra dos anos sessenta e setenta, mas
agora estou mais em guitarras do início dos anos oitenta. Aliás, essa é também
a mesma época de quando a maioria dos sequencers
e drum machines que eu uso foram
feitas. Acho que foi uma época muito boa para instrumentos eletrônicos.
De um ponto de vista
de construção de guitarras, o início dos anos oitenta não é um período que
normalmente é fetichizado.
Sim, e me parece engraçado, porque essas guitarras são realmente
ótimas. Quando comecei a tocar Strats, elas não eram guitarras populares.
Naquela época as pessoas estavam tocando guitarras de heavy metal. Minha primeira
Strat vintage provavelmente comprei por 800 dólares. Elas não eram muito procuradas.
Mas as toquei por muito tempo e me acostumei com aquela coisa característica
que as velhas guitarras de captador único possuem. Mas a Yamaha SG, essa
guitarra é equilibrada harmonicamente da mesma forma que um piano ou um órgão é.
Se for a nota mais baixa ou a mais alta do instrumento, tem um tipo igual de
amplitude. E você não tem tanto roundness
no som, onde a nota começa mais fina e, em seguida, fica mais grossa...todo
esse tipo de coisa. Você fica com um som direto, gordo, consistente em cada
traste de cada corda. É um grande instrumento para mim, especialmente sobre o
que eu estava dizendo de pensar como um tecladista quando toco guitarra.
E sobre amplificadores?
Uso principalmente um Marshall [Silver] Jubilee. Tenho a
cabeça bem perto de mim no meu estúdio e o gabinete fica numa sala separada. Quando
estou gravando, algumas vezes envio o som volta para o estúdio através de
alguns alto-falantes e os gravo novamente por um microfone ambiente. Então
combino o som ambiente com o som gravado de perto. Vários sons de guitarra no
álbum, não são só o som da guitarra no momento em que toquei.
Você tende a gravar
suas músicas de forma rápida?
Eu diria que as coisas se movem muito rápido por aqui. Provavelmente
tenho duas ou três músicas que podem ser feitas em qualquer tempo. Mas, como eu
disse anteriormente, o que é importante para mim não é realmente terminar as
coisas, é estar no processo criativo. A razão pela qual eu me esforço para destacar
a música é por causa da capacidade exploratória da minha mente. É a parte de explorar
que é interessante para mim. Não obter resultados.
O fato de você
escrever e gravar em casa torna possível mergulhar nesse processo criativo em
qualquer grau que você deseje.
Minha vida está muito bem fazendo música durante o dia todo,
todos os dias. Mas eu também passo muito tempo deitado, lendo livros,
assistindo TV ou saindo com a minha esposa. Faço música por alguns dias, então
me distancio por alguns dias. Para mim não é trabalho.
Isso soa como uma boa
maneira de viver.
É assim que eu decidi viver. Eu tendo a deixar os fatores da
música me guiarem em vez dos fatores do dinheiro. E para mim, música é
divertido, relaxante, interessante e estimulante. E eu não tenho que equilibrar
isso com alguém me empurrando nesta direção ou naquela direção. Não tenho
necessidades do mundo exterior. Então, eu diria que a minha vida é muito
uniforme. Não tenho muito estresse na vida.
Fonte: Guitar World - Maio de 2014
Fonte: Guitar World - Maio de 2014
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