3 de janeiro de 2020

Dentro da zona - Março de 2014


DENTRO DA ZONA


Uma entrevista EXCLUSIVA com JOHN FRUSCIANTE
Por Stephen SPAZ Schnee - 19 de março de 2014


O que você faria se fosse um dos guitarristas mais famosos do rock, já tivesse vendido milhões de álbuns e criado algumas das músicas mais amadas do rock alternativo das últimas três décadas? No caso de John Frusciante, ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers, ele olhou para dentro de si mesmo para criar algumas das músicas mais emocionantes de sua carreira. Ao invés de seguir uma fórmula experimentada e real, John criou uma nova. Então criou outra nova. E depois outra... Ele não apenas segue em frente, ele também segue para cima, para baixo, para os lados. Enquanto outros músicos teriam optado por seguir uma rota segura e por se manter mandando os mesmos álbuns a cada lançamento, Frusciante criou algo totalmente diferente, partindo do zero. A cada fase de sua carreira, é como se ele estabelecesse novas regras e limites para a sua música e, em seguida, mudasse, mandando essas regras para o mais longe possível. A cada lançamento, parece que a mente de Frusciante é um poço inesgotável de energia criativa.

Ao longo dos últimos anos, Frusciante tem abraçado a música eletrônica e conseguiu criar uma música que apresenta elementos familiares que ainda permanecem frescos e novos. Misturando dubstep, hip hop, synthpop, house e rock experimental com blues, gospel e qualquer outro estilo que se adapte a sua fantasia, seus últimos álbuns adicionaram nova vida a cena, às vezes perdida, da música eletrônica. Se algo já foi feito antes, Frusciante cria algo novo daquilo. Cada passo musical que ele dá o leva para mais longe de onde ele começou, e ainda o deixa mais perto de sua visão musical única – uma visão que está sempre em expansão. Seu álbum Enclosure, de 2014, segue – e amplia – a jornada que começou com o EP Letur-Lefr e o álbum PBX Funicular Intaglio Zone, ambos de 2012, e que continuou com o EP Outsides, de 2013. Gravado ao mesmo tempo com sua colaboração com os pesos pesados ​​do hip hop (e afiliados do Wu-Tang Clan) Black Knights, Enclosure é um álbum cheio de camadas de maravilhas. Para cada bela passagem melódica, você encontra ritmos de dubstep de tremer o corpo, torções e voltas musicais. Quanto mais vezes você ouve, mais camadas você consegue ouvir e descobre novos sons. Stephen “SPAZ” Schnee conversou com John sobre o álbum Enclosure e muito mais...



ENTREVISTA

STEPHEN SPAZ SCHNEE: As músicas do Enclosure, bem como o seu material solo recente, são muito pouco convencionais no sentido de que elas adicionam todas essas camadas interessantes para os álbuns. Você pretende meio que desafiar o ouvinte ou é apenas um desafio a si mesmo como músico?
John Frusciante: Definitivamente gasto muito tempo me desafiando. Eu tive um período de cerca de três anos, quando estava aprendendo meus instrumentos eletrônicos, onde nada do que eu estava fazendo era destinado a ser lançado. Eu estava trabalhando completamente apenas para me educar, para aprender e aprender a colocar o mesmo grau de expressão em instrumentos eletrônicos que eu colocava numa guitarra antes disso – o que se leva anos para ser capaz de fazer. É muito fácil cair em padrões familiares em um instrumento que você conhece muito bem, mas em instrumentos eletrônicos, para torná-los expressivos, realmente se envolver com eles e ter o mesmo tipo de interação fluindo com o instrumento, é um jogo totalmente diferente. Assim, durante esses anos, fiz cerca de 50 horas de música com meu amigo Aaron Funk, que também foi música especificamente não destinada a ser lançada. Eu acho que há muita coisa que músicos podem aprender se realmente tirarem o público da equação e apenas fazerem aquilo por si mesmo em uma espécie de comunhão com a música. Então, aos poucos, esse estado de espírito acabou sendo do jeito que eu pensava. Mesmo que eu tivesse a intenção de fazer um disco, não estou especificamente tentando fazer algo que vá afetar o ouvinte. Não estou realmente considerando o público ou a pessoa comum. Eu gasto todo meu tempo estudando álbuns e fazendo música. A música que eu faço, tão inconvencional quanto pareça, é sempre inspirada por algum tipo de tradição. Examino o que as pessoas fizeram com a música no passado e especificamente tento fazer coisas que não foram feitas no passado, mas que são continuações de velhas ideias. Tipo, a maneira como a música cresceu na história...Sempre foi tão baseada em tendências nos últimos 50 anos, que, assim que a tendência acaba, algum determinado novo princípio musical também pára de evoluir. Então, eu olho para a história e miro em algum pequeno período de tempo que eu goste, em que alguma ideia estava se desenvolvendo e, em seguida, ela é substituída por outra coisa, e eu apenas tento continuar esse aspecto específico dessa ideia que penso que tinha outro lugar para ir. Sabe, você tem exemplos em todo o lugar na história da música. O rock progressivo meio que parou quando houve o surgimento do punk rock...ou a Surf Music parar depois dos Beatles. Aconteceu assim muitas vezes e por isso eu pego coisas que gosto e tento colocá-las em um novo contexto e movê-las para frente. Tento combinar várias tradições, como o estilo de produção de um álbum, o estilo de guitarra de outro álbum, apenas combinando diferentes estilos tão livremente quanto for possível. Acho que muita gente se encaixa em um gênero, ou são parte de certa tendência ou certo movimento musical e eu realmente me removo de qualquer tendência ou gênero específico.



Em relação às faixas do Enclosure, você as gravou com intenção de colocá-las no mesmo álbum ou foram gravações que você apenas sentiu que ficaram boas reunidas?
Desde o PBX Funicular Intaglio Zone, elas são tudo o que gravei. Eu as concebi como um álbum e fiz uma após a outra. PBX, Outsides e Enclosure são todas as músicas que gravei dentro de um ano e meio. Eu também estava fazendo Black Knights enquanto estava fazendo Enclosure. Desde que comecei a fazer música para ser lançada, tudo que eu fiz está nos álbuns. Estes últimos três meses têm sido a primeira vez nos últimos anos que eu faço novamente música especificamente para não para ser lançada, que é o que eu estou fazendo agora. Mas sim, eu definitivamente mantive uma espécie de consistência que eu não tive quando estava em uma banda em termos de não haver excesso. É como quando eu era apenas um músico convencional, eu costumava escrever muitas músicas que nunca sequer tiveram a chance de ser gravadas. Agora eu não escrevo tantas músicas assim, mas quando escrevo, elas são gravadas e, quando gravo algo, é lançado. Isso é muito diferente de como é – digamos – em uma banda de rock, onde você tem muitas músicas que sobram, onde escrevem muito mais do que precisam, não sabem quais são boas e quais são ruins, eles meio que atropelam tudo, criticando e discutindo sobre quais são as melhores. Eu não faço nada disso. Tudo o que faço é expressar algo e dar isso ao mundo.



Acho que há muita beleza e emoção nessas melodias. Como em “Cinch”, uma vez que o ouvinte põe um pé na música, aquilo simplesmente vira uma espécie de muro de som extremamente poderoso e emocional. Agora como você acha essas melodias? Elas aparecem antes de você pegar um instrumento? Elas aparecem enquanto você está gravando?
Eu acho que depende. Uma coisa que faço muitas vezes são progressões de acordes que eu sei que são difíceis de tocar guitarra por cima. Existem certos tipos de progressões de acordes que todo guitarrista conhece e isso é geralmente o que guitarristas escrevem para solar por cima porque você não tem que usar muito a sua mente, pois tudo vem muito naturalmente. Se uma pessoa quiser tocar num estilo budista ou num estilo bonito ou o que seja, existem certos tipos de progressões de acordes que você escreve e pode tocar sem se preocupar com nada. Então, eu não escrevo muito esse tipo de progressões de acordes mais. Escrevo os que seriam um desafio para um guitarrista solar, e por isso me leva um tempo para aprender, para me acostumar com eles, e para me sentir confortável o suficiente para tocar sobre eles antes que eu possa realmente tocar livremente, antes que eu possa improvisar coisas. Então comecei com esses acordes e gravei uma parte de guitarra muito simples, em seguida uma parte de guitarra um pouco mais complicada e construí as partes de guitarra assim – as fiz em ordem de complexidade até que o último que eu gravasse fosse o único que estivesse solando. Mas eu nunca teria sido capaz de fazer o solo de guitarra se eu não tivesse feito todas as partes de guitarra mais simples que você ouve em todo o solo de guitarra. Então, acho que se minha atenção está na música, se minha atenção é sobre o funcionamento interno da música, os aspectos teóricos dela, acho que se eu continuar pressionando isso, ideias melódicas gradualmente se apresentarão. Uma coisa incrível que eu tenho notado, depois de ter tocado muitos solos de guitarra longos nos últimos anos, é que eu farei, digamos, três solos de guitarra sobre a mesma música de 10 minutos e eu passo por eles, porque isso muitas vezes é uma técnica que eu gostaria de fazer para editar entre os solos por razões de composição, não para corrigir erros. É mais sobre ser capaz de fazer a guitarra fazer coisas que ela não seria capaz de fazer por sua mão esquerda na guitarra ter que estar em um lugar ou outro em determinado momento e eu poder fazer partes de guitarra onde tem basicamente o efeito de sua mão ter o tamanho inteiro do braço da guitarra, sabe? E eu irei notar nestes solos de 10 minutos que eles costumam fazer a mesma coisa, ao mesmo tempo, apesar de eu não ter memorizado nada. É apenas a música apresentando as ideias por minha atenção estar sobre a própria natureza da música. Eu acho que quando você volta sua atenção para a natureza intrínseca da música, essa música apresenta ideias que são muito mais organizadas do que qualquer coisa que você poderia pensar. Porque, para mim, estar tocando a mesma coisa, ao mesmo tempo como em um solo de 8 minutos que nunca se repete, isso é algo que...uma pessoa não pode memorizar tanto material assim....no entanto, elas estão em plena correspondência com a outra, o tipo mais estranho de interações rítmicas ou melódicas. Uma das sensações que tenho é de que pessoas obcecadas com a impressão que eles vão criar com a música tem negada a capacidade de formar uma comunhão entre a inteligência e a natureza da música, porque a natureza da música em si tem muito mais a oferecer para músicos do que o que o público tem para oferecer – como dinheiro, louvor e todas essas coisas, sabe? Há muitas maravilhas para serem encontradas se tudo que você fizer for apenas concentrar sua atenção na natureza da música em si.



O que inspirou a mudança para a música eletrônica? Para mim, parece que é uma extensão lógica da sua interminável exploração musical.
Parece que ainda não percebemos que sem a eletrônica não haveria gravação, entende? Todo o fato de que há gravações é um meio eletrônico. Como o fato de que ouvimos música através de todos esses circuitos que ocorrem em estúdios, eletrônicos são a única razão pela qual temos o rock com amplificação, microfones e alto-falantes. É como se tudo sobre a maneira que desenvolvemos fosse devido à eletrônica. Assim, a idéia de que músicos de rock pensam que estes determinados instrumentos eletrônicos como baterias eletrônicas ou sintetizadores não fazem parte do vocabulário do rock ou algo assim, isso não é certo. Eu estou usando as máquinas e os componentes eletrônicos que podem ser mais úteis para um músico que quer fazer tudo sozinho, não quer ter que contar com engenheiros e não quer ter que contar com músicos ou banda. Eu estava ouvindo música de pessoas como Autechre e Venetian Snares, e foi incrível para mim ver que essas pessoas eram ainda mais auto-suficientes do que compositores clássicos eram. Compositores clássicos ainda tinham que depender de uma orquestra, que tinham que depender de um condutor, eles tiveram que passar por um monte de problemas para obter a sua música executada, e tiveram que lidar com uma grande quantidade de imprecisão. Eu estava ouvindo essas pessoas e foi impressionante para mim que a música deles era um produto puro de suas mentes e que não havia sequer um instrumento físico que estivesse entre eles e a realização da música. Isso é algo que realmente apenas foi possível fazer nos últimos 30 anos, em qualquer tipo de grande escala. Para mim, essas pessoas estavam se aproveitando disso. No rock, se alguém quisesse ter um som mais eletrônico, tinha que ter um produtor que fosse bom com eletrônica ou algo assim, ou contratava um grupo de pessoas para fazer todo o trabalho duro para ele. Eu realmente admirei essas pessoas sem engenheiros e sem dizer a ninguém o que fazer – eles eram auto-suficientes para serem capazes de criar sua própria música em grande escala. Então, foi inspirador para mim. O único exemplo real que eu tive de alguém que era assim foi um instrumentista tradicional convencional e também um programador do mais alto calibre: Squarepusher (também conhecido como o músico britânico Tom Jenkinson). Quando você não vê músicos de rock fazendo isso e vê um certo grupo de músicos eletrônicos fazendo isso, você quer saber se é mesmo possível para um músico de rock pensar dessa maldita forma, sabe? São apenas gênios do computador e tal? Mas o fato dele (Jenkinson) ser um baixista virtuoso e o fato de que ele era um grande programador virtuoso me inspirou a saber que isso era possível. Então, aos poucos, as duas partes do meu cérebro meio que ensinaram uma a outra. O compositor em mim e o guitarrista em mim tiveram um enorme impacto sobre a maneira que uso samples e na maneira que eu programo máquinas. E a maneira que eu uso samples também teve um tremendo impacto sobre mim como guitarrista. Me fez ser um músico que não pensa em música como uma ideia que estou transmitindo em um instrumento, mas a pensar em música como criação de som. Como guitarrista agora, eu realmente olho para o instrumento em seu sentido eletrônico, em termos de como eu estou tentando tirar um monte de som daquilo. Se eu tivesse que tocar três ou quatro cordas ou intencionalmente cometer um monte de erros a fim de obter mais som daquilo, eu faço todos os tipos de coisas assim, porque hoje penso na guitarra como uma coisa para tirar som, não mais como uma coisa para mostrar a minha proeza física.


Notei neste álbum que o ritmo tem um papel muito grande. Você usa esses ritmos dinâmicos para transmitir emoção?
Sim. Nesses álbuns, eu realmente quis contrariar o que seria a bateria previsível que você teria em uma canção particular. Gosto muito de escrever canções lentas com uma programação de batidas rápidas. Eu gosto da justaposição das duas coisas, também gosto de fazer batidas fora do tempo de várias maneiras ou batidas que dão uma sensação completamente diferente. Gosto de justapor várias concepções diferentes de ritmo de uma vez só. Aprendi gradualmente a fazer bateria rápida que parece ser lenta, por eu estar aderindo um vocal lento, então na primeira vez que tentei colocar bateria rápida com esse vocal, eles soavam muito irregulares, nervosos ou algo assim, e me levou algum tempo para ser capaz de manter o que era bom no groove lento do vocal e guitarras, mas também para estar em uma zona de ritmo completamente diferente.



Sim, como eu disse, é tudo sobre camadas e uma vez que os ouvintes chegam perto dessas camadas, há essas belas melodias nelas, esses poderosos e diferentes tipos de música que meio que combinam e acabam se tornando poderosos.
É uma grande vantagem quando você é capaz de trabalhar da maneira particular que eu trabalho para poder enxergar a mesma ideia a partir de vários ângulos. Quando você está gravando uma música de rock da forma convencional, a tendência é tentar se aderir ao que você está fazendo. Você está tentando adentrar no que os outros instrumentos estão fazendo. Você está tentando expressar a mesma ideia que eles estão tentando expressar. Você quer estar em sintonia com eles. Com este método particular e eu sendo o único músico, sou capaz de chegar a uma ideia de vários ângulos e de olhar para a música de maneiras diferentes e transformar completamente uma performance anterior em uma performance posterior. Eu tentei encontrar uma ligação entre a composição tradicional e as várias formas de música que vêm de pessoas da programação, porque na música programada, batidas substituíram melodias como o elemento mais alto da hierarquia musical. Melodia sempre foi o elemento superior, mas com o hip hop, acid house, jungle e todos os tipos de house music, a batida tem sido o instrumento central. Eu tinha meio que perdido o meu interesse pela composição tradicional e pelo rock, e aprendi a fazer música longe de um dos meus principais dons, que é a melodia. Eu me esforço para fazer música que respeita a bateria como sendo a prioridade ou o elemento superior na hierarquia musical de elementos. Então, assim que descobri que não me importava com composições mais, ainda continuei fazendo isso apenas porque era uma maneira. É parte de quem eu sou. Eu não consigo me livrar disso, sabe? Então, eu me esforço para seguir em frente nisso, que vejo como uma progressão que está acontecendo, com a batida sendo o instrumento principal e encontrando um ponto de conexão entre isso e composição tradicional. No início, parecia uma luta ou parecia ser algo que eu não conseguia ver como essas duas peças poderiam se encaixar. Aos poucos, tornou-se uma coisa muito natural e descobri que eu era capaz de tirar coisas das minhas músicas que eu não sabia que estavam lá. Eu consigo saber, como compositor, que não tenho ideia de onde vai a música, porque o que é divertido sobre a programação e fazer música desta forma é que qualquer coisa pode ir em qualquer direção a qualquer momento e não é porque você teve uma ideia, mas porque de certa forma ela se apresentou no meio de seu processo criativo e você seguiu nessa direção. É muito bom na música eletrônica o fato de você poder fazer música sem ter uma canção escrita e eu definitivamente fiz muito isso, mas descobri que a criação de uma fusão entre as duas formas era muito interessante.

Você se lembra do momento exato em que percebeu que estava se tornando um músico? Ou foi uma série de eventos?
Não, isso só entrou na minha cabeça quando eu tinha quatro anos de idade. Foi apenas incorporado – nunca foi uma decisão. Era mais como uma coisa que eu só sabia que deveria fazer. E os sentimentos que tive ouvindo música naquela época foram sentimentos num nível mais elevado do que qualquer coisa que senti em qualquer outra parte da minha vida. Senti uma sensação de clausura [“enclosure”] na música quando a ouvi. Eu não sabia muito sobre música na época, mas com o passar do tempo, algumas músicas conquistariam meus ouvidos. Isso rolou anos antes de eu realmente começar a tocar um instrumento. Eu poderia dizer que a música estava relacionada com o que eu deveria fazer e que esses...esses foram os momentos mais significativos da minha infância.




Fonte: Amped - 19 de março de 2014

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