24 de outubro de 2020

Como Frusciante equilibra o amor pelo eletrônico com o retorno ao Chili Peppers - Outubro de 2020


John Frusciante concedeu uma entrevista para o programa Arvos, da rádio australiana Double J, que foi ao ar no dia 22 de outubro de 2020. Na conversa com o apresentador Tim Shiel, Frusciante explanou bastante sobre o seu relacionamento com a música eletrônica e deu muitas informações sobre o seu retorno ao Red Hot Chili Peppers e o novo álbum que está sendo composto pela banda.


John Frusciante, bem-vindo ao Double J. Como você está?


"Estou bem e você?"

Eu estou bem. Onde você está hoje?

"Estou em um apartamento alugado enquanto está sendo feita uma reforma na minha casa."

E como está LA no momento?

"Está bem, a poluição melhorou, tivemos incêndios aqui e o ar estava muito ruim por causa disso. Eles estão combatendo os incêndios e tivemos alguns progressos, talvez por isso ar deva ter melhorado ou pode ser por causa do vento ou a qualquer coisa que seja, o ar não está tão ruim para respirar no momento."



Há tantas sobreposições de grandes notícias no mundo às vezes algo pode entrar em um ponto cego...

"Sim, no momento, apesar da COVID, há carros por aí, há muitos carros por aí, por um bom tempo as ruas e as autoestradas estavam vazias, mas agora já tem muita gente lá fora."

Você se lembra da última vezes que esteve aqui?

"Da última vez eu que estava com os Chili Peppers, acredito que deva ter sido em 2007 ou por ai."

Você tem alguma memória querida ou qualquer coisa sobre Austrália que você realmente tenha gostado, ou que você se lembra, ou que pensa a respeito.

"Eu me lembro quando nós fizemos uma turnê com Nine Inch Nails no Big Day Out e foi legal, tiver a oportunidade de conhecer Danny Lohner e Charlie Clower e ambos acabaram sendo meus amigos e também me ajudando no meu começo como músico eletrônico. Eu acho que Dany Lohner foi a primeira pessoa que me explicou como eu deveria tocar uma drum machine com um sintetizador, eu não sabia, só pensava que era preciso somente um teclado ou algo assim. Já Charlie Clower me ensinou como usar um sintetizador modular, então sim, foi bom fazer uma turnê com eles eu era um grande fã deles na época e foi legal poder falar com as pessoas que sabiam do que estavam falando."



Vamos falar sobre o seu amor pela música eletrônica, o quão grande é o seu amor e qual é sua primeira memória de um álbum, ou um som em termos de dance music, ou música eletrônica?

"Havia coisas aqui e ali que eu gostava quando estava crescendo, mas eu não procurava por isso, eu só estava tentando ser o melhor guitarrista que eu poderia ser. Eu sabia mais sobre música com guitarra do que sobre música com sintetizador. Como sempre havia coisas que eu gostava, mas especialmente quando estava nos Chili Peppers, por causa do que nós estávamos fazendo e a cena em que estávamos inseridos, eu não estava prestando atenção ao que as pessoas estavam fazendo e sintetizando pop e outras coisas, com algumas exceções.

Na época que estávamos fazendo Californication, a música eletrônica acabou se tornando muito inspiradora para mim. Eu acabei estabelecendo uma regra para mim: eu não poderia ouvir música eletrônica naquele dia até depois do ensaio com a banda enquanto estivéssemos fazendo nosso álbum. Pois se eu começasse o dia ouvindo Depeche Mode, ou músicas de rave, ou algum outro tipo, tornava o que nós estávamos fazendo no ensaio parecer chato, mas assim, eu me obriguei a ouvir qualquer música com guitarra que parecesse colorida - como Joy Division, Bow Wow Wow, Fugazi The Yardbirds - existiam certas coisas que pareciam tão coloridas como música eletrônica. Mas quando voltava para casa, eu ouvia Tricky, Massive Attack,   Depeche Mode, Human League e coisas do tipo. Eu sinto que durante esse último período que estive com os Chili Peppers, a música eletrônicas foi realmente uma grande influência no que eu estava fazendo apesar de não estar evidente, pois eu ainda estava tocando guitarra na banda, mas eu estava tocando junto com um monte de música eletrônica e memorizando muito.

Eu acho que ajudou. Já que o rock estava começando a morrer e nossa música parece que ainda soava como contemporânea. Eu sinto isso porque eu estava sendo influenciado por coisas que eram novas naquela época e que talvez outras bandas de rock ainda tivesses apenas ouvindo Led Zeppelin ou os Beatles ou o que quer que seja. E nós estávamos ouvindo todos os tipos de coisas.

Na época que eu estava me drogando, eu realmente congelei. Estar sobre efeito de drogas faz seu desenvolvimento parar e você não consegue desenvolver como pessoa ou expandir seus horizontes como uma pessoa quando você está drogado. Quando me livrei das drogas, descobri que eu era uma pessoa diferente e tive muitas experiências de quase-morte ou o que quer que tenha sido, então, apenas me entreguei para começar um novo relacionamento com o mundo exterior depois de eu já ter quase o deixado e de repente a música eletrônica foi a principal coisa que parecia excitante para mim.

Então comecei a fazer turnê ao redor do mundo e aproveitava para comprar música eletrônica de forma aleatória, e descobri The Reflex Label e Warp Records e outras músicas corajosas como este selo chamado React,  que era muito popular na época em que tinham esse Reactivate samplers e esses React test samplers e eu realmente gostei de tudo isso. Depois eu comecei a frequentar clubes de drum and bass em Los Angeles no início da década de 2000. Em 2008, eu comecei a ter amigos que davam festas em armazéns e me tornei amigo do Aaron Funk que me deu muitas coisas do jungle de 91 até 96 e do hardcore breakbeat que acabou se tornando meu estilo de música favorito e tem sido uma influência em muitas das coisas que que tenho feito. Contudo, esta é a primeira vez que fiz música baseada no breakbeat que não tem muito de rock, até onde sei, não tem nenhuma influência do rock ou pop implantada."



Soa quase como uma revelação, parece que você sempre esteve aberto a música e que sempre esteve aberto aos sons eletrônicos e outros tipos de sons. Isso transparece em todo o seu trabalho mesmo durante os anos 90, você está aberto para experimentar, e agora você é bem conhecido por isso. Você estava falando sobre o despertar da música eletrônica ser uma coisa que o atingiu antes mesmo de você falar sobre isso?

"Eu acho que começou com synth pop e hip hop e outras coisas. Elas pareciam realmente simples para mim, não pareciam muito expressivas. Eu suspeitei que, com o passar do tempo, muito rapidamente as pessoas começaram a ficar muito expressivas sonoramente e de maneiras que você não poderia ser expressivo com instrumentos reais se comparado com os samples. Tipo encher músicas com toneladas de samples em todo o lugar e isso em si sendo uma forma de expressão, eu não esperava isso no início, então eu apenas me pus no meu próprio caminho. Mas depois quando eu o descobri no final anos 90 e isso sobreviveu por todo esse tempo, haviam pessoas sendo expressivas com som e velocidade e com breakbeats de maneira que fosse impossível para um único músico.

O conceito de velocidade e tempos rápidos que vêm de manipulação de samples utilizando drums machines é tão completamente diferente do que baterista faz. O Metallica em Master Of Puppets é um grande exemplo de como seres humanos podem tocar muito rápido, mas isso é muito diferente do jungle que é um computador indo rápido, o que me faz lembrar como era quando eu ia ver os Chili Peppers, era assim que eu os via antes de eu estar na banda, eles tocavam rápido esse tipo de funk e intenso. Eles tinham essas músicas como "Skinny Sweaty Man", "Blackeyed Blonde", "Police Helicopter" e essas canções que eram muito funk, mas mais rápidas de uma forma que o funk nunca tinha sido e eu achei isso muito emocionante naquela época. Para mim, isso era basicamente o que hardcore e o jungle eram. Era apenas outra maneira de fazer funk rápido e meio que ir além do que um baterista era capaz de fazer. Eu não sabia que sintetistas, samplistas e maquinistas de bateria iriam superar músicos de verdade."



John, podemos falar um pouco sobre Maya?

"Com certeza, sim."

Maya era sua gata.

"Sim."

Não o álbum, mas de sua gata amada que tristemente faleceu. Você pode falar um pouco sobre seu relacionamento com ela e por que decidiu dedicar este álbum a Maya.

"Ela estava morrendo quando estávamos nos preparando para lançar o álbum e assim pensamos em transformar em um tributo a ela. Seria esse o último álbum completo em que ela estaria por perto. Isso começou com Stadium Arcadium,  e ela estava lá enquanto eu estava fazendo tudo o que fiz até então. Ela particularmente gostava de músicas românticas, adorava estar comigo enquanto eu fazia música e sentava comigo enquanto eu escutava música. Ela era praticamente minha companheira de todas as horas, ela amava ficar deitada na minha barriga enquanto eu estava deitado na minha cadeira tocando guitarra, ela se esfregava no meu estômago enquanto eu estivesse tocando, me observava enquanto eu fazia música, ela enfiava sua cabeça no alto-falante, então Maya era assim. Ela realmente adorava música, ela morreu há alguns meses, então é um sentimento bom ter algum tipo de tributo a ela, como um meio de ajudá-la ao longo da sua transformação de forma."



Você tem tido oportunidade de passar muito tempo com seus amigos do Chili Peppers. Por exemplo, este ano tem sido um ano realmente estranho, todos nós estamos nos distanciando socialmente, estamos um pouco mais isolados do que o normal, você teve chance de estar perto dessas pessoas próximas a você?

"Nós estávamos ensaiando havia algum tempo e depois a quarentena começou e então paramos por alguns meses e depois voltamos - se você confia nas pessoas que está trabalhando e se todos estão sendo cuidadoso está tudo bem. Então, sim, estamos indo em frente com o que estamos fazendo que é compor músicas novas."

Sim, quero dizer, quais são as probabilidades de que em 2021 tenha um novo álbum dos Red Hot Chili Peppers com breakbeats e com rave synths? Você irá colocá-los na mistura ou vai tentar mantê-los separados?

"Tenho certeza que eu poderia fazer isso se quisesse, mas que não é essa a ideia. Isso eu faço por conta própria, eu já até tentei fazer algo do tipo com grandes batidas e com acordes do rock progressivo, mas  eu acho isso um pouco brega e não é o que estou tentando fazer com os Chili Peppers. Foi emocionante quando comecei tocar com eles e eu ainda acho que é. Ver o que eu ainda posso fazer com a guitarra, pois durante os últimos 12 anos, a guitarra era apenas algo que eu praticava música e não era uma parte tão grande da música que eu fazia. Tem muitas coisas diferentes que você pode obter com uma Stratocaster. Nos outros álbuns eu usava muitas guitarras, mas até agora no estúdio eu fiz tudo com apenas uma guitarra. Eu tento fazer que essa guitarra soe de formas diferentes, soando de modo diferente em cada música. É uma desafio musical. Eu também estou envolvido com a bateria de uma maneira distinta, eu e o Chad estamos interagindo de forma diferente que interagíamos antes, porque antigamente eu nem sabia a diferença entre a prato de condução ou um prato de ataque, agora eu sou um baterista à minha maneira, por meio dos breakbeat e dos drums machines. Muitas das baterias são mais loucas do que as coisas que fizemos antes. Mas eu não estou explicitamente tentando fazer algo tipo a música drum and bass pop."


Tenho que perguntar John, espero que você não se importe, mas como é estar de volta aos Chili Peppers? Qual o é sentimento? Você teve algum tipo de hesitação a respeito ou foi como voltar para a família?

"Sim, é como voltar para a família, eu estou extremamente confortável com esses caras. Foi como se o tempo não tivesse passado quando começamos a tocar, com algumas pequenas exceções, como a nova interação musical com o Chad, mas aos poucos conseguimos nossa comunicação de uma nova forma. Mas basicamente estamos todos confortáveis um com o outro e é como sempre fomos e nos sentimos isso logo de cara."

Quando se trabalha, toca e faz música com as mesmas pessoas por tanto tempo chega a um ponto que você não pode menosprezar isso.

"Meu cérebro foi formado dessa forma. Quando me juntei à banda aos 18 anos, eu ainda não era um adulto e me tornei adulto enquanto eu estava na banda para o melhor ou para o pior aprendi a ser um adulto com Flea e Anthony em vários ou sentidos, eu não sei se isso foi uma coisa boa ou uma coisa ruim, mas é o que é. Eu passei metade da minha vida na banda e metade da minha vida fora da banda, as coisas mudaram e suponho que era isso que eu precisava para ser capaz de manter as coisas frescas e de não sentir como se eu fosse me tornar uma dessas pessoas que eu nunca quis tornar, o tipo que simplesmente continua se repetindo e acaba ficando muito confortável com a mentalidade de estrela do rock e a esse estilo de vida. São essas coisas que você tem que lutar contra, como o ego que vem junto com isso. Por um lado, você quer ser apreciado pelas pessoas que estão te colocando em um pedestal e dizem para você que eles te amam e coisas assim e, por outro lado, você tem que controlar seu ego, você não tem que andar por aí pensando que você é superior a outras pessoas ou deixá-los fazer você pensar que é melhor do que qualquer outra pessoa que você. Eu acho que é um ato de malabarismo, o ego pode ser trapaceiro. Quando eu olhei para isso com novos olhos depois de todo esse tempo passou, eu apenas tive certeza que Flea e Anthony e o Chad são pessoas particularmente ótimas para eu estar junto em uma banda. Eu conheci outros músicos e já vi como os maus egos podem subir pela cabeça e até onde os músicos de rock podem chegar, mas esses caras realmente sabem como manter seus os pés no chão e suas cabeças equilibradas. É uma sorte grande para mim, pois foi com esse caras que acabei tendo uma boa conexão, quando se fala em tocar guitarra não há ninguém que eu realmente queria fazer isso se não com eles e felizmente a química ainda está lá e nós ainda gostamos de desfrutar da companhia um do outro como seres humanos."

Muito obrigado por estar no Double J hoje. Boa sorte com o álbum, boa sorte com os Chili Peppers e estamos na esperança de vocês voltarem para Austrália já que se passou muito tempo, então espero que em algum ponto podemos conseguir que você volte aqui.

"Obrigado."


Tradução: Jonathan Paes
Fonte: Double J - 22 de outubro de 2020

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